terça-feira, 21 de dezembro de 2010 0 conceito(s)

A little drunk

- Mas então eu não tenho sentimentos? E quanto mais eu bebo mais eu sinto tudo. Acho que é por isso que bebo.
- Na bebida encontra o sofrimento?
- Bebo porque quero sofrer em dobro. - e inclinou a cabeça em direção à mesa, em um gesto de desespero.
- Rapaz, - continuou ao vê-lo se erguer – leio uma certa tristeza na sua cara.
- E continuo bebendo! E já estou bêbado! Mas quem se preocupa com um tipo como eu? Diga! O senhor tem pena de mim? Diga lá, senhor, tem pena ou não? Ah, ah, ah!
- Mas por que ter pena de você?
- É assim mesmo, não tem motivo. O que devem fazer é me cravar em uma cruz e sem pena de mim. Mas crucifiquem-se depois de me julgarem, me julgarem mal e não sobrar nem um olhar de compaixão. Pois então é que irei procurar o que só encontro no álcool. Sofrerei, sozinho, o suplício, pois não é de alegrias que tenho sede, mas de tristeza e lágrimas!
  E fez-se o silêncio no quarto. Absorto não enxergava ou escutava. A atmosfera era sufocante mas a janela não se encontrava aberta. Da escada vinha o cheiro de comida estragada e cigarros, mas não ousava se mover para fechá-la. Dos quartos vizinhos não chegavam os ruídos que deveriam ser escutados. Sacudiu a cabeça, olhou para os lados e convenceu-se de que não deveria mais falar com o espelho enquanto a imagem refletida no objeto cismasse em responder.
domingo, 19 de dezembro de 2010 0 conceito(s)

Dos segredos.

I – das coisas, tituladamente, boas.

O segredo da sabedoria
encontra-se, por certo, aí,
guardar tudo só para si.
O segredo da cortesia,
por trás de sorrisos afáveis
por trás de palavras amáveis.
O segredo da felicidade,
ser apenas uma pessoa só
e antes, uma pessoa só.
O segredo da descrição,
é dizer o que não muda
e ao resto fazer-se surda.

II – do agir, propositalmente, pérfido.

O segredo da perfidez,
vai contra a descrição,
conte tudo de uma vez.
O segredo da perfidez,
segue o da cortesia,
com a cabeça fria.
O segredo da perfidez,
é, porém, ser o que puder,
ser humano e mais ninguém.

III – de ser, indubitavelmente, melancólico.

O segredo da melancolia,
não se afasta dos olhos
neles não mostre alegria.
O segredo da melancolia:
se afaste de todas as pessoas,
quanto mais elas forem boas.

IV – de como, facilmente, fugir a tudo.

O segredo da fuga,
fácil de ser feita,
é como matar a si
morte perfeita.
O segredo da fuga,
difícil de ser feita,
é desligar-se e fingir
não ter uma vida desfeita.
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010 0 conceito(s)

De falsos olhares

Nem sempre os olhos respondem à alma,
quase nunca, na verdade, para quem sabe
esconder o que quer. Olhos de quem bebe
e aliena a vista, da boca a mentira calma.

Com os olhos vermelhos, provável sono,
vulnerável no espelho, propício a dizer
tudo aquilo que questionado puder ser.
Aquela é a esperada derrota do trono

do orgulho. Que triste mentira vivida!
Por tolos crédulos, estes. Que nivelam
por baixo, todos nós de astúcia erguida

por todo e qualquer tempo. Com sentidos
sempre atentos, e verdade bem escondida,
para, desde sempre, evitar mau-entendidos.
sábado, 27 de novembro de 2010 0 conceito(s)

Por escrever.

Não por crimes ou castigos
esses não são verdadeiros motivos,
talvez por orgulho mas não preconceito,
quem sabe fruto de algum receio?
Não por amor e ódio,
tais já não removem o ócio.
Não à razão ou à loucura,
para transformar sua alma em pura.
Não por ser tórrido como o inverno,
sendo do céu um subalterno.
Nem por ser gélido como o verão,
tão quente por fora, por dentro não.
O maior motivo para escrever
sempre será para não se deixar de ser.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010 0 conceito(s)

Do pudor.

De onde surge tal necessidade para mentir?
Por entrelinhas duvidosas e extremos sinais,
ou por nojo desses filtros de vidas carnais.
Que não fazem nada mais do que proibir

a integridade dos atos, falhos ou não
que atravessam barreiras de pudor
e deixam um lastro amargo de rancor,
fazendo sempre de culpado o coração.

Companhia da quase obrigação de sorrir,
boa educação e gentileza são vitais
para que não lhes interesse nada a mais;
pois que, de alguma coisa, deve servir

fingir não ter malícia e sim compreensão,
desviando todo o foco para o fervor
daquele que narra, do seu completo terror.
Ao que escuta, respondendo com conselhos vãos.
0 conceito(s)

Lost memory

      Saiu de casa apenas para fumar e nem sabia onde estava e como havia chegado ali. De olhos tão vazios, tão tristes e tão nulamente cheios de lágrimas que eu achava que ele nunca iria superar o fim, o fim que o levou a mim.
      Frequentemente, eu o perdia. Mas sempre soube onde encontrá-lo, fugindo de uma multidão massacrante na qual ele mesmo se colocou somente para se sentir mal, perder o ar, quase desmaiar. Porque era assim que conseguia desligar sua mente quando finalmente chegava em mim. Porém, quando tudo esvaziava, quando o silêncio voltava a reinar sempre fui eu que tomei conta. Insuportavelmente sempre consegui ser pior do que a mais destruidora das paixões.
      E sentia que, por vezes, ele ansiava por mim, ao mesmo tempo que sentia medo e raiva. Não o culpo por essa confusão, essa mistura de todos esses sentimentos tão opostos e simultaneamente tão semelhantes. Não querer, querer, não achar, me encontrar, sufocar, fugir. Tão cruel que somente eu me diverti. 
      A mais pura verdade é que sempre foi por ele que existi. Por isso não me sinto exatamente triste pelos métodos extremos executados inutilmente, pois no fim, chega sempre a mim. O que ele procura não sou exatemente. Mas sou o que resta quando não acha nada. Sou o que restou quando se esqueceu da parte mais importante de si mesmo, sou o fruto de todo o desespero. Sou os resquícios de uma memória perdida. O que acontece quando se esquece o que mais se quer ter.
sexta-feira, 19 de novembro de 2010 1 conceito(s)

More or Less

Eu estarei aqui,
Estática e perversa.
No meio de quem ri,
Ficarei sempre parada
Com sentimento inato.
Esperando ser acordada,
Ainda imóvel observadora
De orgulho mais que intacto
E sem aquela fala acalentadora.
E sem, todo o tempo, me desgastar,
Sempre posso me divertir...


Mas e se eu me cansar?
quinta-feira, 18 de novembro de 2010 0 conceito(s)

Manual

Sente o gosto da derrota em sua boca?
Sabe que não há o que seja pior de sentir
se usa de si mesma para ganhar e seguir
e ao perder, segue seus instintos de louca.

Sente a vitória fervilhar na ponta do dedo?
E sente o peso de toda responsabilidade dela,
como no escuro, quem segura uma vela,
é seguido por quem das trevas tem medo.

Sente tristeza de para com almas jogar?
Mas eis que jogando direito não existe o triste,
nem o feliz. Em realidade, nada que o irrite.
Além da rota fora de seu armado lugar.

Sente assim como não saber o que ser?
Continuar seguindo como menor dos hesitantes,
resistir como quão bravo o melhor dos aspirantes,
ou voltar atrás por nobre alguém, se acaso merecer.
quarta-feira, 27 de outubro de 2010 0 conceito(s)

Da profundidade

É uma profundidade incrível
difícil de respirar, veja bem,
com mil facas, a dor, seria plausível,
mas os gritos.. aqui não convêm.

E violinos e flautas em allegretto
sorrindo à alma de outrem.
E adagas ou balas em adagietto
cantando a morte para quase ninguém.

Tudo afundando em meio ao seco
nem mesmo a poeira se mantêm
do adagietto ouve-se ainda o eco
pois que o medo não o detêm.
domingo, 24 de outubro de 2010 1 conceito(s)

Burn

Deitada e transtornadamente sonolenta, ela apenas olhava aquela casa pegando fogo. Olhar figurativamente, porque seus olhos estavam fechados. Queimando imaginariamente porque a casa estava 'intacta'. A todo minuto alguém abria a porta, berrava no telefone, discutia no corredor e por isso fingia dormir, já que não era possível ter paz nem ao menos trancada no quarto. Se entregando, finalmente, ao monstro que sussurra tragédias ao pé de sua orelha... a qualquer momento ela colapsaria . Era inevitável e insuportável ver qualquer rosto estranho, a campainha tocava e ela arrepiava todo o seu corpo. Cada pessoa nova que visitava uma das casas era mais um motivo para que ela se trancasse em seu quarto. Por que tinha ela que conviver com tudo isso? Sentia, o tempo todo, que aquelas duas casas onde dividia o tempo não eram suas e ao mesmo tempo não conseguia sair delas. Nenhuma das duas era o seu lar.. eram, na verdade, seu inferno, paraíso de todos os seus tormentos secretos que nunca ousou nem ousaria descrever. Fonte de tudo aquilo que a deixava paranóica. Pensar que todo o seu dia era formado por pessoas excessivamente previsíveis para ela também a deixava angustiada (Sim, ela percebia o paradoxo disso).
Alguns dias, durante algumas de suas alucinações, imaginava como seria ser um livro. Estava pensando novamente nisso. Talvez até fosse divertido (ou, talvez, melhoro que estava sendo agora). Uma história escrita com início, meio e fim, onde todos podem fazer suas críticas sem serem julgados por isso; ou elogios, sem que sejam mau-interpretados por folhas de papel. E trancados a uma rotina de ser lido, emprestado, devolvido, emprestado, lido, devolvido, lido, devolvido, emprestado, etc. Pensando melhor, não seria nada divertido... pessoas desconhecidas e sem respeito, senso ou inteligência seriam capazes de lê-los da mesma maneira. NÃO, definitivamente, não. Assim como não valeria a pena continuar trancafiada aos seus traumas, assim como não poderia lidar com mais uma rotina.
Ela só tinha que sair dali, sair dali, sair dali. Mas para onde? Ela perguntou ao seu 'monstro trágico'. Isso descobriremos depois que isso aqui estiver queimando. Não leve nada, passaremos na outra casa e lá a história termina. Termina? Sim, lá você queimará junto com a mobília. Mas e as outras pessoas? Você morrerá sozinha.
E esse era o colapso pelo qual ela ardentemente esperava. Qual outra saída ela teria? Pelo menos assim aniquilaria seus fantasmas. Ou eles aniquilariam com ela.
0 conceito(s)

Fardo.

Muitas vezes me fiz abandonada
com a expectativa correspondida
doada de todo e talvez repelida
de alma incontavelmente dilacerada

Muitas vezes fui surpreendida
carinho e respeito inesperado
e me notava deixando-os de lado
só para cansar e ser esquecida

Fardo meu, tal maneira dispersa
prendendo aleatoriamente tal atenção
no seguinte ato, quebrando um coração
de modo crivelmente possessa.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010 0 conceito(s)

De como te conheci

_____________________________ -a você que nem ao menos existe

Você estava tão perdida

Saindo de mais uma armadilha

Fugida de uma vida iludida

Mais uma vez, uma outra trilha


Te encontrei em meio caminho

Caída naquela rua de ladrilho

Onde’u chorava derrota, sozinho

Encostada você e seu espartilho


Pensei em mil maneiras

Te acordar, te molhar, bater

Tudo imensas baboseiras


E por fim deitei-me ao seu lado

Com meu chapéu e um baralho

E sem nenhum trocado.


terça-feira, 5 de outubro de 2010 0 conceito(s)

Non, rien de rien.

Você não saberia me dizer como é estar ou ser como estou ou sou. Não é como se eu alcançasse o céu e o inferno, não é como se eu estivesse parada na terra, muito menos como se eu oscilasse entre os extremos. A verdade é que estou pairando, ou melhor, vagando, por algum local no meio, sem nome ou descrição. Vagando sim, pairando não, porque pairar é algo tão positivo, admirável e leve que é o completo oposto do que estou vivendo. Vagando lentamente e sem forças para decidir-me entre subir e descer. Mas, sei bem eu, que no ponto onde cheguei ainda há volta, mas, cansada como cá me encontro, sei também que nunca irei escolher subir, a luz queima a minha vista acostumada com a escuridão involuntária.
Se alguém encontrar o que escrevo sei que nunca me deixarão sair daqui. Julgam que tentei me matar, mas não é por isso que me machuco, não é para a morte e sim pela vida, aquela que quero sentir, pela auto-punição por todos aqueles que fiz chorar sem nem ao menos me importar, pela minha apatia e falta de resolução. Mas aqui não ajo mais assim, já que retiraram do meu quarto todos os objetos com os quais eu pudesse me infligir dor, logo após a primeira vez que me ataquei por tentar me fazer entender que eu deveria estar mau por estar aqui.
Agora, um ano depois, restaram poucas cicatrizes, as quais, em sua maioria, são as do dia que me trouxe até aqui. Elas só existem por causa de um jogo que joguei comigo mesma. Para cada cena triste, torturante, negativa de uma maneira geral, que assistisse e não chegasse nem ao menos a estremecer, seria uma dor equivalente que haveria eu de sentir. Depois do quinto vídeo, aproximadamente, perdi a conta e algum tempo depois a consciência. Acordei aqui, nesse hospital que não faço a questão de dizer o nome. Não sei quem paga já que para mim não há mais ninguém. São só detalhes, não importam. O que me fará falta deste lugar, com certeza será a alta dosagem de calmantes legais ou ilegais nos quais eu despejo a culpa do meu não me mover.
Falo sobre saudade porque hoje é a última sessão com o terapeuta infeliz que admitiu derrota diante a minha fraqueza e que sorriu, juntamente a mim, quando percebeu que estava disposta a colaborar se eu pudesse sair daqui.
Gostaria apenas de uma certeza ter. De que lá fora tudo continuaria igual. Eu e o meu silencio, a minha solidão, a minha vida e o meu livre arbítrio. Foi difícil me acostumar com o ‘tudo’ obrigatório deste lugar, quero apenas voltar ao meu isolamento voluntário. Talvez o querer tudo do meu jeito, e querer tudo que é meu somente para mim sejam as emoções mais fortes que eu consigo ter. acredito que foi aí que tudo começou.
Quando perdi algo valiosamente meu, algo do qual nunca deveria abrir mão, quanto menos deixar morrer. E esse algo valeu pela minha vida, deixar todas as minhas partes morrerem seria pouco perto de ter ficado parada observando paralisada e sem culpa ou pesar o “assassinato” que cometi. Aí comecei a vagar, mais uma auto-punição. Fiz valer como verdade.
E se volto para ‘casa’, volto com apenas uma intenção: terminar o que não consegui. Traçar o limiar da dor. E se este for a morte? Assim será.
quarta-feira, 29 de setembro de 2010 0 conceito(s)

Em vão.

Até parece que foi tudo em vão,

A minha realidade imaginária

Sempre tentando dizer que não,

Com a mesma força de uma luminária.

Mas não existe uma explicação

Qualquer que vá satisfazer

Essa ânsia meio na contra mão

Sem menor ideia do que quer dizer.

Não parece mas tem sido tudo em vão

Crê ter certeza disto agora

Um pouco de nobre emoção

Para quem forja sentimentos afora

2 conceito(s)

Him and Her

Totalmente estranhos de tão opostos que nunca teriam se unido se não fosse aquele plano maluco, que nem ao menos se lembram quem sugeriu.

- Vamos assaltar um banco?
- Vamos! Que tal aquele?
- Grande demais. E este?
- Pequeno demais. Tem aquele, lá perto da minha casa.
- É discreto, gostei.
- Vamos roubar como?
- Direto da boca do caixa, mais adrenalina.
- Do cofre, mais emoção.
(simultâneo)
- Do cofre e do caixa.
- Ótima ideia.
- Minha, sua.
- Sua, minha.
(simultâneo)
- Nossa.


- Poderíamos usar armas de plástico!
- É, daquelas que esguicham água. Que tal?
- Seria tão engraçado.
- Seria não, será.


- Ótimo, vou roubar meia calça da minha mãe para usarmos na cabeça.
(risos)
- E eu as arminhas d’água do meu irmão.
(mais risos)
(silêncio)
(olhares sérios)
- Eu sou gay.
- Ótimo, porque eu sou lésbica.
- Ok.
- Ok.
- Até amanhã.
- ‘té’ mais.

E no meio de tanta expectativa, talvez só não tremessem diante da ideia de realmente assaltar um banco. Durante a noite dormiram bem e mal, respectiva, aleatória e simultaneamente, tanto fazia. Eles haviam se conhecido em um ônibus qualquer, em um dia de total mau humor para ambos e nenhum dos dois conseguiu melhorar o humor do outro, nem ao menos tentaram, ficaram só se encarando como se jogassem aquilo de não piscar e não rir. Empatou, nenhum riu. Taurina, aposto. Taurino, aposto. Corretos sem saber.

- Oi!
- Oi!
- Trouxe as meias.
- Também.
- Tudo bem, trouxe as arminhas, por precaução.
- Que bom, eu também.
- Vamos para outro lugar?
- Pode ser... eu não sou gay.
- Tudo bem, continuo sendo lésbica.
(silêncio)
- Vamos?
- Vamos.
(silêncio)
- Você não está brava?
- Não, eu só quero roubar o banco.
(silêncio)
- Realmente não está chateada?
- Não.
(silêncio)
- Não ficou com raiva da mentira?
- Não, todos nós mentimos.
- Me sinto melhor agora.
- Não consegue conviver com a mentira?
-Não.
- Que pena.
(silêncio)
- Que tal entrarmos aqui?
- Pode ser.

Foi uma conversa deveras estranha. Qualquer passante acharia se tratar de dois loucos. Encontravam-se tão entrosados que um policial poderia para ao lado e ficar escutando que nem perceberiam. Riam imaginando a cara dos reféns e da cara dos ‘seguranças’ sem poder reagir.

- Sem reagir?
- Claro, faremos reféns com uma arma de plástico na cabeça.
- Mas eu ou você?
- Eu.
- Ah, mas queria tanto me sentir no poder também.
- Taurina?
- Acertou, taurino?
- Sim, como soube?
- Só um reconhece o outro.
- Ok, mas no próximo sou eu.
- Próximo?
- Próximo.
- Legal, próximo.
- Você pega o dinheiro, então?
- No próximo, nesse não.
- Ah é, ok.
- Que tal agora?
- Por mim... vamos lá.

Levantaram e caminharam em direção ao banco, cada um mais ansioso que o outro. A cada passo o sorriso doentio de criança que vai fazer algo errado aumentava. Chegaram lá gargalhando sem nem ao menos haver sido entabulada uma conversa. Do lado de fora ela o beijou.

- Eu sou lésbica.
- Eu gosto de você.
- Eu também gosto de você.
- Você não é lésbica?
- Mas eu só gosto de você, entende?
- Entendo.
- Não está chateado?
- Com a verdade?
- É.
- Não, eu gosto dela.
- Que pena.
- O quê?

Mas ela já havia entrado no banco, rendido um policial e anunciado o assalto. Era a vez dele recolher o dinheiro. Da próxima seria ela. Seria ela, da próxima.
0 conceito(s)

Depor.

De todo o meu excesso
Por tudo meu escasso
Vindo de dentro, progresso
Por fora nem meio passo.

De toda minha ausência
Por toda minha demência
Uma pequena busca, carência
Satisfaço-me e retiro-me, vivência.

De tudo que me afeta
Por toda ignorante, esperta
Durante, sorrindo seleta
Antes, chorando na fresta.

De todos e por todos
Desculpo-me e me redimo
E faço tudo de novo
Sem suspiro.
terça-feira, 28 de setembro de 2010 0 conceito(s)

Do sofrimento alheio.

Veja esse estranho no bar,
desabafando antigas mágoas
esperando que elas passem
só por serem ditas.

Quão vil pode ser alguém?
Usando de desconhecidos
e com seu copo de vinho
lágrimas chegam ridículas.

Salga o rosto, estremece
o clima entristece,
surge o momento para dizer
o porque do seu sofrer.

Mas se lembra sempre
daquele desconhecido amigo,
o qual, na mesa do bar,
você nunca mais irá pensar.
sábado, 18 de setembro de 2010 1 conceito(s)

Eu vou fugir, sabe?

Eu vou fugir de casa, sabe?
Vender meu corpo,
comprar uma passagem e ir,
só alma, para deus-dará.
Eu vou fugir de mim, sabe?
Vender meu sorriso,
comprar uma passagem
e perder o trem,
só para comprar outra
e ver que eu tenho coragem
de continuar algo do qual eu desisti.
Eu vou fugir daqui, sabe?
Vender minha alma,
porque o corpo já ficou
no início, junto
com o sorriso.
Vender minha alma e vagar,
pura mente perdida,
por onde calhar de chegar.
Eu vou fugir de lá, sabe?
Vender minha vida,
desastrada e sofrida,
e ir para longe do mato,
ligeira e volátil,
de onde nunca fui nem serei.
Eu vou fugir do sempre, sabe?
Vender minha rotina,
minha verdadeira assassina,
vou comprar sapato,
mochila, calça, agasalho,
vou partir de vez,
nada pior do que já fiz.
E não mais vou fugir, sabe?
Mas vou comprar tudo de volta,
corpo, sorriso, alma e vida,
só não me devolva a rotina,
a única que não quero ver
e que se caso acontecer,
me fará vendê-los todos
outra vez.
quarta-feira, 15 de setembro de 2010 1 conceito(s)

Cronograma.

Ontem, minhas mãos já assim tremiam
E meus olhos não, há muito, reluziam
Nada para que eu não me lembrasse
Das lágrimas se, talvez, elas secassem

Hoje, meus pés nem ao menos esquentaram
E aquelas pontadas na cabeça voltaram
Tudo para que eu não me esqueça da hora
E não me tranque do meu lado de fora

Amanhã, meus braços, por repúdio, sangrarão
E minhas pernas, por desespero, correrão
Só para que eu, finalmente, perceba
Parada não há nada que eu receba.
domingo, 12 de setembro de 2010 0 conceito(s)

Sem título V

Acreditas, mesmo, que tudo pode
ter um final feliz?
Ou seria só mais um conto de fadas,
querida meretriz?
Acreditas, mesmo, naquilo tudo
que você sempre diz?
Ou seria só uma maneira de fugir
do destino que quis?
Não se incomode, minha querida atriz,
deixo-te jogar
E lutar contra a sina de ser infeliz,
por ti traçada
Não te enganarei sob as cartas,
ainda ensino-te a blefar
Mantenho-me apenas um pouco longe
da luz vermelha da sacada
Arriscando alguns de meus truques por alguém
que, vejo, sabe ao menos dançar.
terça-feira, 7 de setembro de 2010 0 conceito(s)

Da trajetória solar e eu.

Escurece tão rápido nessa época do ano
Parece-me que no fim do dia
O sol não quer mais andar, subir, descer.
Num espaço de minutos tudo esfria,
Entristece...

Ou, talvez, o dia só esteja sempre atrasado
Assim como eu, reparo (-me) de repente
Ele vai acontecendo, acontecendo, de leve,
Distraído...

E, de repente, já deu a hora,
Apressa-se de tudo, desliga o aquecedor,
Apaga a luz e vai-se embora,
Já acabou seu show.
sexta-feira, 3 de setembro de 2010 0 conceito(s)

Do meu escrever.

São várias as sensações que passam rápidas como o vento.
Auscultando seriamente cada pedaço em mim
não se enxerga mais tal amargura antiga sem fim,
ou aquele, digno de falsa lástima, sofrimento.

Concentro-me tanto em absorver tanto
que quando, sem exceções, leio um livro
percebem-me fechada em uma redoma de vidro
de tal maneira que o reproduziria em canto.

Mas o vento muda constante, disso bem sei eu
e se, no momento em que leio, ele se inverte
não consigo ser, de um escritor, mera tiéte
Tomo posse de caneta e escrevo, mesmo que no breu.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010 0 conceito(s)

Quase um conto de amor.

Estávamos todos reunidos, como de praxe, naquela casa falsamente velha, precariamente localizada, porém impressionantemente mobiliada e suficientemente mística (os adjetivos não são exagerados, garanto-lhes) para um desses encontros de fins-de-semana, onde há muita bebida e a tão necessitada válvula de escape da rotina. O álcool e a decoração já haviam feito o papel perfeito para causar medo e excitação na cabeça de todos, menos, talvez, na de Andrew, que nunca bebia e era o dono da casa.

Ninguém se lembrava, nem ao menos eu, quem havia sugerido que aquele popular jogo do compasso - do copo, ou do que quer que fosse – se tornasse a diversão da noite, mas acho que devido à áurea local seria quase impossível fugir de terminar em um jogo como esse. De qualquer maneira, quando demos por nós já nos encontrávamos entoando orações e evocando espíritos (nos quais a maioria de nós nunca acreditou).

Dando sequência ao jogo, perguntas eram feitas por todos e respondidas de maneira surpreendentemente correta. Aos poucos, os sorrisos escarnecedores foram se esvanecendo enquanto os céticos se agarravam a sua ciência com uma segurança tal qual se agarrariam a um fio de cabelo ressecado.. Claro, havia algumas regras forjadas para que a brincadeira ficasse mais ‘real’, todas ligadas às permissões; você deveria pedir para sair, perguntar, ir embora, etc.

Precisei ir ao banheiro e quando voltei fiquei observando Andrew. Em demasia concentrado, era o autor de poucas, porém das mais desconcertantes, perguntas e parecia absorver para si toda a mística do ambiente. Fui obrigado a interromper minha análise quase ‘neurótica’ no momento em que Lea me chamou para retornar ao jogo. Recusei-me, prontamente, afinal o efeito do álcool já estava passando e eu sempre fui um tanto quanto covarde. Quando lhe disse isso, foi como se a houvesse tomado conta uma súbita loucura, começou a rir, a me chamar de medroso e a gritar para todos ouvirem que ela havia manipulado quase todas as respostas desde o início. Sem escapar ao clichê, creio ter visto um olhar vidrado o qual só percebi depois já que a bebida foi julgada culpada pelo desvario.

Logo após o ocorrido, o ambiente ficou sensível e justificadamente pesado demais, e, mesmo alterados todos perceberam que era hora de partir. Como eu dormiria naquela casa, esperei para me despedir antes de ir me trocar e me higienizar. Quando terminei de fazer o que deveria voltei para a sala. Não sei se o fiz demasiadamente silencioso ou se Andrew encontrava-se tão concentrado de cabeça baixa que não ouviu minha aproximação... Fato é que o ouvi dizendo, ou melhor, sussurrando, como se houvesse alguém ajoelhado ali, a sua frente e ele murmurasse em seu ouvido:

- Obrigado, Albert. Eles quebraram as regras. Agora, vamos atrás deles.

Levantou-se sem, novamente, sequer notar minha presença ali. Saiu, me trancando sem chaves e de tal maneira estuporado que somente depois de um longo tempo (durante o qual, quem me observasse acharia que eu estava decorando cada milímetro da porta) vi um bilhete para mim, na mesa de centro:

“Richard, você obteve permissão para sair, portanto está a salvo. Agora seremos eu e você, novamente.

Do seu,

Andrew.”

sexta-feira, 27 de agosto de 2010 0 conceito(s)

A promessa.

A promessa era manter-se calada
A promessa era não dizer o que queria
A promessa era não quebrar mais nada

Mas, uma vez condicionada
Fazia o contrário do prometido,
já no automático, ligada.

Você deve fazer o que quer fazer
Se depende de mais alguém
Se esforce para o convencer.

Fogo-fátuo é a promessa
Quase, mesmo, fantasma, espírito
Corre atrás de quem a faz
Acompanha-o com a mesma pressa.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010 0 conceito(s)

Carta de suicídio em 3ª pessoa.

Encontrava-se tão distraída hoje que até sua amiga reparara e ela não era dessas fáceis de adivinhar. Tão difícil de ler que partia daí todo o medo, respeito e admiração que demonstravam para com ela. Sorria quando era conveniente, mantinha-se séria quando deveria e vivia nos conformes. Agora havia acabado de se despedir de alguém que tinha tanto afeto por ela quanto se poderia querer sem retribuir. Sentiu-se um pouco mal por causa da unilateralidade dessa relação. Achou estranho sentir algo, mas aquele dia já era diferente mesmo... Continuou andando e viu um cego mascando chicles, da mesma maneira daquele conto exaustivamente estudado para o vestibular. Ficou ali, parada por uns bons 5min esperando pela mesma epifania que a personagem daquele texto havia tido. Queria sair dali e fazer alguma coisa surpreendedora, fora do ritmo auto imposto, algo vindo do coração. Mas seu coração sequer acelerou aos poucos, continuou inato como estava já durante anos. Continuou no mesmo ritmo como se o cego mascando chicles fosse só mais um personagem secundário de Saramago naquele romance de cegos, onde ela também era uma cega. Seguiu caminho, passou pelo emprego da mãe e aquele sorriso bonito e caloroso não mudou um músculo dentro de si, retribui apenas com a etiqueta exigida, educadamente. Já não sorria com o coração nem ao menos pela própria mãe. “Mas o que, diabos, então, faz o coração? Nada, nada, nada!”. Vai por um fim nisso, despediu-se das pessoas ao seu redor, e acelerou o passo “pelo menos assim acelera essa droga que bate aqui”, quase correndo e pensando em todas as maneiras possíveis de se matar. Veneno, revólver, altura, gás, tudo. Chegou a seu prédio e pela primeira vez, desde que conseguia se lembrar forçou-se a entrar no elevador e subiu (com a alma saindo pela boca, com a respiração quase sumindo, com o medo tomando conta de tudo, ela só não queria morrer ali). Quando o décimo oitavo andar ‘apitou’, algo dentro dela ‘apitou’ também. Se existe alguma maneira pela qual ela não gostaria de morrer... Então não queria ela morrer a qualquer custo, ou seja, “não quero me matar, porra nenhuma!”. Entrou no seu quarto, escreveu essa carta ridícula, pensou que poderia viver se mantivesse seu medo de locais fechados e o enfrentasse todos os dias (sem que ele fosse, devidamente, eliminado), dobrou a folha em quatro, guardou-a na gaveta e foi de volta a sua rotina, agora, quase totalmente assegurada.



Amèlie
sexta-feira, 13 de agosto de 2010 0 conceito(s)

do triste fim de um conto de fadas.

Olhe bem o céu de sua cidade perdida e triste
Sinta bem o ar frio que congela os soldados
Não fuja dos percalços por ver estradas destruídas
Mesmo que nas ruínas haja apenas os corpos de seus cavalos alados

Corra.
Fugídia como a luz que se vê menor que a escuridão,
Dissipa-se.
Para continuar seu caminho na contra-mão,
Dispa-se.

Deita aqui na rede, longe da sua agora quebrada cama de dossel
Percorrendo aos poucos,
Sentindo as folhas,
Com seus segredos, omitindo
que o nosso sofrimento é muitas vezes, eufemicamente, cruel.
Vou contigo, num caminho sem volta,
de onde nunca deveria ter saído, daquele livro escondido.
sexta-feira, 30 de julho de 2010 0 conceito(s)
Que idiotice. Ela pensava. Parada no meio de uma sala com tv a cabo no canal de desenhos infantis. Lugar cheio de crianças, nada contra crianças, mas achava isso tudo um tanto deprimente. Colocou seu fone de ouvido ridículo que tampava o som dos lados e ficou se permitindo o que há muito não fazia: se iludir, viajar, devanear. Ridículo, essas crianças quase batem em mim, e eu sinto medo delas. Não era bem medo, mas ela reparava como todas as crianças sempre parecem saber mais do que o tamanho e a idade delas. E foi daí que partiu seu raciocínio. Começou a se lembrar se sabia demais quando era criança e foi interrompida.. um desses senhores que tem complexo de Peter Pan berrou com sua criança, tentando ser engraçado e frustrando-se. Voltou, foi interrompida, voltou, foi interrompida. Caramba, será difícil as pessoas gritarem longe o suficiente de mim? Respira, respira. Retomou a calma e foi para o jardim, estava frio, mas não creio que ela se importava. Deitou no chão, pela primeira vez esquecendo a sua fobia, fechou os olhos, respirou fundo pela última vez e olhou o céu. Foi o suficiente para deixá-la sem ar. Não precisou pensar nem por meio momento na beleza daquele lugar. Tudo aquilo foi entrado pelos olhos dela. Foi deixando-a extasiada. Baixou um pouco os olhos do céu e observou a paisagem. E viu aquilo pelo qual ela vinha lutando para escrever fazia tempo. Nunca conseguiu entender o quanto algumas pessoas parecem distantes das outras em todas as ocasiões. Parecia tão anti-natural. Porque se tudo na natureza vivia em conjunto e harmonia, por que as pessoas precisavam se isolar? Ela se sentia mal por estar fora da vida, muitas e muitas vezes. Mas ao olhar aquela paisagem e ver aquela única árvore ao longe, uma árvore que ela sabia só estar só vista de longe... uma árvore que podia não ter nada tão grande quanto ela ali, ao alcance da vista.. mas uma árvore que prezava por cada coisa menor ou insignificante que estava ali ao seu redor, coisas que ficavam cada vez maiores a medida que vamos chegando perto... percebeu que precisava olhar melhor para si e para cada um dos outros sozinhos ao seu redor. Cada uma daquelas pessoas tem outras que podem não estar sempre em evidência, mas que tem sua importância, construtiva ou destrutiva. Respirou fundo, escreveu tudo isso, e olhou para o local de onde havia vindo. Decidiu que continuaria por onde estava mesmo. Ainda não estava preparada para sentir as pessoas com aquele 'novo olhar'. Talvez sofresse um colapso. Exagerada como sabia ser, talvez gritasse para que o senhor parasse de berrar com a criança, pois a hora já era avançada e ele estava incomodando a pequena grama que crescia ao redor daquela árvore isolada ao fundo e que isso talvez as fizessem fugir. Como ele poderia se atrever?
quinta-feira, 29 de julho de 2010 2 conceito(s)

Balloons


Brincando com balões
todos em forma de corações,
estourei, sem querer, o maior
com facilidade mór.

E do maior fiz menor balão
ainda em forma de coração
surpresa grande, difícil estourar.
Coração menor, menos para amar.

Quanto mais diminuto o balão
mais difícil estourar.
Quanto 'menos' coração,
mais difícil machucar.
quarta-feira, 14 de julho de 2010 0 conceito(s)

Breve conto de amor - parte 2.

Era como uma febre o que eu sentia, calafrios, suores e depois calma. Deitada na cama, fingindo dormir. Todos passavam ao meu lado e sussurravam entre si. Todos sabiam que eu era uma assassina. Todos sabiam que eu havia matado sem dó, sem piedade e que não me arrependia. Sosseguei minha alma, essa sim era eu. Agora, taxada como assassina tudo o que viesse de mim seria inesperado, seria melhor do que alguém que mata poderia fazer. Porque quando se está no fundo do poço ou você acena ou tenta subir. Eu ainda não sabia o que fazer. Essa indecisão fez minha calma passar, movi-me lentamente e descobri-me presa. Os aparelhos indicaram o aumento do ritmo cardíaco, os olhares se voltaram para mim, alguém chamou a enfermeira e me injetaram calmantes. Tudo ficou tranquilo e sem foco, não sentia mais o que me prendia e adormeci. Foi um descanço bom, rápido e indolor. Não indolor porque me fez esquecer a terrível consciência do assassinato e sim porque diminuiu as dores dos machucados que obtive na tentativa de tal ação. Tentativa essa que, me orgulho de dizer, foi efetivamente completa.
Após alguns ataques parei de tentar me soltar. Já sabia minha alma ser livre e não me importava em estar com as mãos e os pés presos em uma cama de hospital. Pois bem, depois de uma longa ausencia de meus gritos fui sendo “desamarrada”, já podia passar tempos fora da cama.. e depois me liberaram para passear no sol – o que devo dizer: me fez quase voltar a ter ataques histéricos para me poupar do calor. Não importa. A enfermeira me contou que estava em um hotel psiquiátrico, que fui encontrada desmaiada ao lado de um homem morto, ambos nus. Sexto sentido, maternal ou não, fez minha mãe ir em meu apartamento e como eu não a recebi, ficou preocupada e chamou os vizinhos tão bondosos e curiosos, arrombaram a porta e descobriram. E me trouxeram para cá, inconsciente.
Depois de algumas visitas, onde sempre fingia estar dormindo e apenas escutava os choros reprimidos e o orgulho ferido 'aonde foi que eu errei?'... veio me ver um advogado, cheio de pompa. Daquele tipo que tem inteligência o suficiente para disfarçar toda a falta de caráter e toda a sua superficialidade. Conversou comigo e me expos os fatos. Óbvio que eu podia alegar legítima defesa, disse-me ele. Um desconhecido que eu levei para casa e que tentou me bater depois do sexo. Poderia alegar insanidade ou até homossexualismo. Que advogado brilhante, não? Prometi analisar o que iria dizer. Dei opiniões positivas, elogiei e ele saiu de lá, tão certo quanto eu ser louca, convencido de minha lucidez e de nossa legítima defesa.
Fiquei recolhida, quieta, em meu canto e quando o tempo esfriou ia de bom grado absorver o ar frio, o clima ameno e o céu cinza e seco que me era tão agradável. Em um desses passeios ela me chamou a atenção. Louca, como eu, assassina, como eu, e provável que com o mesmo signo, ascendente, cor dos olhos... coisas que eu nunca saberia afirmar ao certo. Me aproximei daqueles cabelos sem corte, daquela alma-irmã. Garota profunda, me olhou nos olhos e disse que matou por amor, se levantou e saiu correndo. Fiquei parada e berrei, berrei que eu também tinha matado por amor e que era para ela voltar aqui!
Ela voltou e disse em meu ouvido que sabia e que quem mata por amor não mata o amor. E que me admirava da mesma maneira que se admirava, porque nós.. nós sim, conhecíamos a única maneira de eternalizar o amor perfeito: matando-o para manter a fantasia intacta.
Não foi difícil amá-la. Era como o meu reflexo. Ao contrário e ao mesmo tempo idêntico. Passamos bons momentos, maus momentos, terríveis conversas que nos deixavam sem dormir, cada qual no seu quarto, cada qual do seu lado do espelho. Como meu reflexo, ou melhor, como todo reflexo.. há duas situações em que deixam de existir: quando o que é refletido some, morre, sai da frente do espelho; ou quando o espelho é quebrado. Logo, nós sabíamos quem era o reflexo e o refletido. Sabíamos que o reflexo é o mais fraco porque além de depender do que reflete, depende do espelho intacto para ser o mais puro e genuíno reflexo.
Sabíamos que o nosso espelho já estava rachado e quando ela disse-me que deporia alegando a – maldita – legítima defesa para ser solta e que me aguardaria do lado de fora... estilhaçou-se o vidro. Reflexo fraco, vulnerável. Durante a noite fiz aquilo que deveria ser feito. Matei-a. Simples. Não estava em mim, não me lembro se a deixei sufocada, ou envenenada, ou esfaqueada, ou seja-lá-o-que-fosse. Tenho certeza que na minha estante, ao lado do meu 'amor-perfeito' congelado, tenho agora o meu 'amor-que-quebrou-meu-coração' congelado também.
E a história é essa. Quero pedir desculpas ao senhor meu advogado, mas eu não agi em legítima defesa para salvar a minha vida. Visto que isso já não tenho e não tinha. Agi em legítimo ataque. Considerem que o ataque é a melhor defesa e verão que agi para salvar e guarnecer meu pobre coração de boas e autênticas lembranças. Espero ser condenada pelo que mereço. Posso ser louca. Mas fiz o melhor. Pois enquanto houvesse em mim a capacidade de amar, haveria também a capacidade de matar. Obrigada.


Aline Fall.
sábado, 10 de julho de 2010 1 conceito(s)

Desconhecida

Uma terra encantada
com tanto orgulho
e tanta desgraça.
Um lugar que não descansa.
Inspira seu perigo
onde a morte dança.
E os vidros partidos
as balas perdidas
os gritos não-amigos
os fantasmas nas ruas.
Belas moças nuas
mostrando (sua) mágica
de ter a vida em frangalhos.
Paro sem aviso
com fone no ouvido,
músicas que lembram
um sorriso desconhecido
uma voz ainda surda
um mistério sem carapuça
alguns dias, breve...
E a cidade querida,
maravilhosa e bem vista
- fica esquecida
enfiada na mala,
continua seguindo
com seus gemidos
por mim não ouvidos -
não espera pela alegria
ânsia em sintonia
por algo aguardado.
quarta-feira, 7 de julho de 2010 0 conceito(s)

Confissões de uma atriz.

Ela sentia o peso daquele anel pendurado no pescoço, enquanto andava pela rua. Não era fácil conviver com tudo que lhe diziam. As vezes pensava estar louca, as vezes exultava de expectativas. Não morava com a mãe, mas aquele anel, aquele primeiro anel que ganhara enquanto criança pesava como se ela estivesse lá, morando naquela casa e com o aquelas repreensões. Era por isso que evitava usar aquele cordão e se perguntava se era engraçado um simples pendurucalho ainda fazer o efeito daqueles dias.

Virou a esquerda, a esquerda, a direita e reto. Chegou aonde deveria, não onde queria ou gostaria. Sentou-se na recepção e aguardou. Não havia ninguém feliz, mas ela aparentava felicidade (enquanto por dentro se chamava de ridícula, idiota, hipócrita, insensível). Sentiu-se incomodada. Sabia que a sua falsa 'felicidade' irritava os outros. Colocou a mão no pescoço e praticamente arrancou o cordão e como o impulso virou-se para jogá-lo na bolsa. Mas parou, de repente, com aquele pequenino artefato na mão, apertou-o e percebeu-se mais segura. As lágrimas que havia acabado por quase derramar secaram e ela entendeu que junto com a sua mão havia uma outra, invisível a apoiá-la e confortá-la.

Sabia que não era a melhor pessoa do mundo e sabia que a culpa era sua. Já havia, há muito, cansado de culpar sua criação, suas dores, seus traumas. Talvez seu único problema fosse a cabeça fraca, a genética nada tinha a ver com isso. Pensou que agora nada mais havia de ser feito, estava no fundo, bem no fundo e só procurava uma maneira mais rápida e eficaz de se enterrar viva. Tudo psicológico, não havia problemas financeiros ou amorosos. Apenas conflitos internos, fraca também de coração.

Olhou para cada um no recinto, sentiu seus sofrimentos. Suas perdas estavam estampadas em cada movimento, em todos os rostos. Era como uma placa brilhante que dizia: 'olhe para mim, eu estou em pedaços e quero a sua compaixão'. Ao pensar assim ergueu a visão para a tv e afastou seus sinais de repulsa, por cada uma daquelas pessoas que imploravam a atenção. Conferiu o relógio e aquele ato tão racional, tão calculado e ao mesmo tempo tão involuntário fez-a voltar a si completamente. Voltou a pensar coisas fúteis, sobre o seu tempo perdido naquela sala de espera e sobre o que a esperava lá fora ou seja, nada.

Chamaram-na, finalmente, para entrar. Levantou, sorriu em agradecimento, atravessou o corredor frio e agradeceu ao senhor que lhe abriu a porta. Se sentiu em uma câmara frigorífica e se agradeceu por ter lembrado de levar um casaco. Quanto a essa parte, não há muito o que falar. Ela reconheceu a mãe. Foi rápido e fácil. Ofereceram um tempo para ''se despedir'', o qual recusou, repensou e aceitou. Sozinha com o corpo percebeu que ainda apertava forte o anel e só ali percebeu o quanto ela lhe fazia falta. Colocou o presente de infância na mão inerte e o deixou lá. Não se importava que o roubassem nos preparativos para o enterro, ela necessitava sentir falta da mãe e aquela lembrança cheia de presença tinha que sumir. Limpou as lágrimas, recompôs-se, saiu de cabeça erguida, assinou alguns papeis abriu a porta e se retirou para a rua cheia de cenas falsas.

Havia se decidido. Não havia ninguém a esperá-la. Por que não fazer as unhas e sair a procura de alguém ao léu hoje a noite? Afinal, ela precisava de uma recompensa por ter fingido ser uma filha tão boa quando nem mãe tinha desde os cinco anos.

sábado, 3 de julho de 2010 1 conceito(s)

de antes para depois.

A sintonia que queria em mim

encontrei em olhar você.

Ah, alegria que surgiu, enfim.


Não me importo de sorrir

mesmo que não seja assim

que seja mais um ir e vir.


Veja a expectativa não é alta

minha tolice apenas é o que me condena

por ser eu tão frágil astronauta

insana de viagem pela tormenta.


Para longe, com pensamento vão

agora me sinto toda viver.

Menina que segurava seu coração

Não sinta o menor medo de sofrer.

segunda-feira, 28 de junho de 2010 1 conceito(s)
Location: nowhere – Date: no day – addressee: you



_____Eu tenho estado esperando por alguém que nem existe. Eu não movo meus olhos com medo de perder algum acontecimento. Eu evito fazer ruídos que me impeçam de ouvir os murmúrios do mundo. Evito olhas nos olhos porque não quero a verdade. A que me diz, com olhos de pena, que não existe alguém por quem esperar. A que sussurra que não vai acontecer nada se ficar parada. E a que GRITA para que eu exorcize os meu demônios. A que pede que eu grite junto.
_____Procuro um motivo para gritar, não acho. A apatia rotineira deixa tudo azul, monocromaticamente azul, tranquilo e sem graça (ah, se ainda fosse o azul do céu, com sua parte de branco, de rosa, de laranja-pêssego). O costume que me sempre recusei a ter, faz parte de minh'alma e qualquer movimento inesperado me deixa em pânico. A adrenalina já não tem me feito tão bem, depois fica sempre um gosto amargo. Quero meus tons de cinza de volta. Algo me diz que eles me foram roubados. Me foi levada a distinção entre o meu pensar, o pensar comum e o ideal. Mas sei que minhas cores apagadas estão latentes aqui. Como uma ferida esperando que a encostem para voltar a doer.
_____ Saindo desses devaneios, percebo agora quão medíocre me tornei. Portadora de mim mesma, me entreguei a um mundo que se encontra na rotina, na moral e nos bons costumes. Por isso, quero que entendas, não é por não te querer que te abandonei na calçada, com nossos cafés nas mãos. É por te querer demais que eu me tornei isso. E eu odeio o que você me fez querer ser. Eu odeio ter que corresponder a expectativas tão baixas, onde para ser feliz é preciso apenas de uma casa, um carro e uma pessoa (ou um cachorro). Mas ao te deixar, volto a ser o que era, mais vivida, quem sabe? Te agradeço por ter me feito voltar, mesmo que isso tenha mais de mim. Você é uma parte de mim, assim como todos e cada um que já passaram por aqui. Quero que me perdoe, não tenho motivos, apenas quero, talvez para tranquilizar minha consciência, talvez por me importar contigo.
_____Não sei bem como me despedir, então te desejo todo o amor que eu tenho e não pude te dar. Meu maior medo sempre foi o de me doar, quando o venci, eu me perdi. Entenda e viva, porque quebrar meu coração e te deixar foi a única maneira de me fazer voltar a viver.

_________________________ Com carinho todo carinho que me é permitido ter,
__________________________________________________Gabriela D.

p.s.: não creia que irei me matar. Sou demasiada orgulhosa para atentar contra o amor próprio que me faz te deixar. Só irei mudar de ares. Quero ser alguém melhor, para merecer algo tão bom quanto quem você é para mim. Não consigo aceitar que alguém me pertença sem que eu mereça.

p.p.s: eu ainda te amo, mas isso não muda a magoa que deves estar sentindo. E, talvez, por isso, nosso futuro não exista. Apenas o meu e o seu.
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Rose

Sou o centro da rosa

sou escondida por pétalas

mas não perco a beleza


não há inveja dos miolos

eu não entro na roda para brincar

e não há bem ou mal me querer

que me destrua


as rosas não se apaixonam

as minhas sementes não são esmagadas

mas as pétalas, coitadas

morrem por amor (que nem delas são)


mortas as pétalas

não há mais minha beleza

escondida havia mistério

exposta vê-me pobreza


e já que amar mata

não amem, odeiem

mas não acabem com o encanto

das flores que por acaso te rodeiem.

domingo, 20 de junho de 2010 1 conceito(s)

Como ver o fim

Tenho marcas nos pulsos

Tenho olhos profundos

De eterno desgosto

Na folha, sangue sem gosto


No ouvido, blues, deprimido

Na mão, gilete, envelhecido

Na boca um comprimido


Na veia, veneno lento

Dando doce acalento

Ao fim deste tormento.


quarta-feira, 16 de junho de 2010 0 conceito(s)

Cartas

Paris – França, 15 de agosto de 2000, terça-feira.


Esta é minha última carta. Minha carta de despedida, minha carta para nunca mais. O que houve? O que há? Ele me deixou, fisicamente e psicologicamente. Ele morreu. Nós tínhamos um pacto. A nossa fuga do tédio e o nosso amor por escrever sempre nos manteriam unidos. Não precisávamos pedir nada um ao outro, nosso olhar era do mais puro entendimento. E ele me traiu, me abandonou, prometemos dar um fim nisso juntos e deram um fim na vida dele antes. Ele morreu, foi para outro lugar, melhor ou não, e me deixou aqui, tendo que conviver com as lembranças, com o clima frio que combina exatamente com o meu coração. Nosso pacto foi quebrado, mas não de propósito. E agora olhando para as ruas de Paris, e olhando para todo esse branco do céu, resolvo me juntar. Tenho vinho e veneno e será assim que me juntarei a ele. A qualquer momento isso pode fazer efeito, vejo você em outra vida, mãe.

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Paris – França, 15 de agosto de 2000, terça-feira.



Escrevo, novamente, para dizer que não, não me matei, ou melhor, não consegui, não cheguei a tomar o veneno. De alguma forma, por força do hábito servi dois cálices, botei veneno em um e por ‘sorte’ tomei o outro. Quando percebi, após ficar esperando pela morte, o meu erro, impulsionei-me para o copo restante. E então o telefone tocou. Atendi e ouvi apenas um ‘fique aí, eu já chego’. Não reconheci a voz, mas essa voz me impediu de continuar. Essa voz apagou o tédio e acendeu em mim uma vontade de ficar, de esperar e ver quem vai chegar. Agora, levemente alterada, aguardo ou pela minha salvação temporária ou pela minha sentença de morte, pois creio ficar maluca de decepção. Ah, mãe, o tempo aqui está frio como sempre, mas por instantes acho que aqueci meu coração.

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Paris – França, 17 de agosto de 2000, quinta-feira.



Ele apareceu, mas não havia ligado. Simplesmente resolveu ver como ou se me encontrava. Que engraçado, eu jurei ter ouvido o telefone tocar e a voz era exatamente a mesma, sem urgência, mas com a intensidade para impedir alguém fraco de fazer qualquer coisa.
Você não sabe quem ele é, nem ao menos eu sei quem é. Tocou a campainha e disse “sou eu”. Oras, se fosse um ladrão eu simplesmente tomaria a outra taça. Mas era ele. Eu o olhei e o mundo resolveu virar, eu já não sabia nem ao menos o meu nome. A face não era a mesma, nem as roupas e nem o perfume, mas nos olhos dele eu via aquele meu eu morto, aquele outro que morreu e me abandonou, viva, aqui. Não sei se é ilusão, quem nunca acreditou em anjos? E se mudou a aparência apenas para que eu não descontasse minha mágoa por ter sobrevivido sozinha?
Quem sabe, mãe, o que vai acontecer? E não, não quero que venhas me visitar. Eu sei, ou melhor, não sei o que estou fazendo. Mas, pelo meu bem, tenho que fazer.

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Paris – França, 31 de agosto de 2000, quinta-feira



Até hoje mantenho aquela taça envenenada na estante. É o que me dá forças para continuar, saber que há sempre uma fuga ali, bem na minha frente, ao alcance das minhas mãos. Recebi mais umas visitas, elas não ligam mais. Tudo muda: rosto, gosto, cheiro, toque... Mas nunca o olhar. Elas vêm, conversam comigo sobre as minhas vertigens, ilusões, adaptações, escritas, etc. Mas nunca tive coragem de perguntar nada. É como se eles fossem meros psicólogos ou como se pudessem fugir ao ouvirem algo que ameaçasse seus segredos. Ah, é, mãe, eles são cheios de segredos. Como me conhecem? Como chegaram aqui? Ou por que todos têm o mesmo olha de sofrimento como a me pedir desculpas?

Sinto sua falta,
Sempre sua filha, Amelie.

p.s.: as visitas tem ficado cada vez mais raras. Não me engano, sei que o fim se aproxima.

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Paris – França, 19 de setembro de 2000, terça-feira



Não quero mais, cansei. Mas eu preciso que voltem. Fazem duas semanas. Me sinto abandonada, de novo, o tempo aqui, em Paris, junto com meu desespero, aumenta; e por mais que eu olhe para o copo eu sempre lhes dou uma segunda chance. Eu fico esperando um outro telefonema. Fico olhando pela janela, mesmo sabendo que me visitando ou não eles nunca serão vistos pela janela. Acho que a ânsia por vê-los torna resistível a ideia do fim. Mas até quando? Tudo tem perdido a validade e eu tenho medo de explodir. Te mando notícias quando puder.

Ainda sua filha, Am.

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Paris – França, 24 de setembro de 2000, domingo



Hoje é meu último dia. Veio aqui alguém sem desculpas nos olhos, sem tocar a campainha ou me esperar trocar de roupa. Me mandou parar com a ilusão, me chamou de louca, disse que eles não existem. E me disso que devo deixar a senhora morta e em paz. Esse sujeito, denominado meu pai, diz que vai me internar. Chegou em casa e tratou logo de jogar o veneno fora. Trancou a porta e desligou o telefone. Está passando um café enquanto espera a ambulância chegar. Ok, mãe, não importunarei mais a senhora com cartas alienadas, com suposto(s) fantasma(s) que me mantêm viva e com todo o meu egoísmo por ter sido trocada pela morte. Espero que sobre ao senhor que está na cozinha apenas a mágoa de não ter conseguido salvar sua filha. E agora é chegada a hora. Nada de veneno, infelizmente não sei voar, por isso, hoje, irei enfeitar as ruas de Paris.

Te encontro por aí, amada mãe.
De sua única filha, Amelie.
terça-feira, 8 de junho de 2010 2 conceito(s)

O vendedor de balões


Um dia, eu quis ser vendedor de balões, e hoje sou. Não existe profissão mais bonita que esta. Sorrisos, felicidade, diversão, admiração e nunca vai sair de moda. Mas o que mais me fascinava eram, ainda são, os balões. E pensando bem, o que eu gostaria mesmo é de ser um balão.

Daqueles vermelhos, sabe? Com um formato bem bonito, que chame atenção. Mas, se me perguntarem: 'por que um balão?'. Ele é leve, tudo que quer é ser livre e subir, subir, até estourar quando for obrigado pela pressão atmosférica a isso. Ele está preso por apenas um fino fio que a qualquer momento pode se arrebentar ou seguro por uma criança tola que pode soltá-lo e ficar a observar, com lágrimas nos olhos, culpa e vontade de ter novamente.

O destino dos balões, senão estourar, é definhar, aumentar seu peso e afundar no chão até ser destruído por impiedosos em busca de diversão ou esvaziar lentamente devido a furos. Mas se eu fosse um balão seria daqueles que estouram no céu, que não retorna a terra, que tem um fim sozinho, porém bonito, discreto e digno de admiração aos que ousassem ver. Eu seria aquele balão que ninguém nunca acharia outro igual para repor quando fosse perdido.

Refletindo melhor, ouso dizer que sou um balão, sou esse balão. Existe uma mão me segurando através do fio da realidade que me prende, porém o horizonte da loucura, a perspectiva de conhecer algo novo, mesmo inconcebível, me atrai e eu faço força para cima, faço força para fugir. Tenho ânsia de conhecer o inusitado. Morrer com os pés no chão é algo impensável para um balão como eu.

domingo, 6 de junho de 2010 1 conceito(s)

Fragmento para posteridade – quando tentar descobrir, por acaso, quem sou.

Não sei quando, não consigo realmente me conciliar com o tempo, mas em algum momento tudo aquilo que me aliviava e satisfazia virou meu tormento. O café só passou realmente a fazer efeito quando eu precisei inventar desculpa para a insônia, a dor de cabeça só me foi oportuna para esquivar-me das companhias. E mais, o sofrimento só me serviu de argumento quando queria achar que amava. E não sei quando, nem consigo colocar-me em sincronia na linha do tempo, mas em algum lugar eu deixei de ligar. Em algum lugar minha insônia deixou de existir, porque não havia mais sono e somente o medo da tormenta que viria a noite. A dor de cabeça, minha companheira, talvez das mais fiéis, acompanha-me até hoje, ela é amiga do meu bruxismo, do meu aparelho e de todo o meu cinismo; inimiga do meu sono e dos remédios (por isso evito os dois, talvez). O sofrimento, vai e volta, não faz-se presente o tempo todo, deixa lacunas, não consegue me acompanhar ao fundo e a beirada por tantas vezes. Nem conseguiria, eu nem ao menos consigo me manter sã por muito tempo. Hoje, sei apenas que me perdi, não sei nem o nome com que assinar aqui. A música virou meu lamento, cada frase, cada faixa, tem um sentido, encaixa-se em algum lugar ou na vida de alguma das minhas muitas pessoas. A única dúvida que me resta é onde esconder o meu cadáver, os meus cadáveres, aqueles que sobram cada vez que me alterno e me perco em mim mesma. Não sei nem ao menos quem briga ou não, já não sei nem quem irá acordar aqui amanhã, sei que as quero mortas, e me quero morta, quero o fim e a ruína, quero morrer a todo momento, quero que aos poucos eu vire muitas, muitos, todos. Quero ser tudo aquilo que digo que não sou e sou. Quero sentir que mesmo que meus textos sejam iguais a milhares, eles serão meus, porque quem os escreve sou eu, e nada irá tirá-los de mim.
E se, mais uma vez, tentar descobrir quem eu sou. Lembre-me, lembre-se, nem a morte e algum epitáfio colado na lápide dirá muito mais do que escrevo. Porque o que escrevo pode agradar a sua vista, mas não te ajudará a descobrir o que sou; talvez o que não sou, nunca fui e não pretendia ser. É, somente, mais uma maneira de encarar os fatos, de sentir que tudo está ao alcance das ideias. Das queridas ideias, do meu mundo ideal. Do meu mundo eidético.


Gabriela D.
quarta-feira, 26 de maio de 2010 0 conceito(s)

Conversa de Espelho

Nossa, tens mesmo tua alma dura
Nunca, com canções, amolecida
Tantas feridas nessa armadura,
Há, acaso, lacuna arrependida?

Porque o que fazes é só teu papel
E na tua cabeça, vê-se um tropel
Realidade sempre relativa
Antes de qualquer decisão, viva!

Mas viva, se tu precisas viver
Morra se queres, por tudo, morrer
E não deixes a indecisão bater
Por amor ou até bem-querer

Choras, porque este choro acalenta
Sofres, porque bem sei que tu aguentas
Pedes, tentas, se não há outro meio
Vence, acima de tudo, teu receio.
domingo, 23 de maio de 2010 2 conceito(s)

Breve conto de amor.

Ele era ele mesmo. Acho que isso me interessou. Não me importei em ser ou não corrupto. Político, médico, advogado. Na realidade, não me lembro nem o que era. O que me incomodou foi o sorriso e o brilho nos olhos, ao mesmo tempo sinceros e falsos, ao mesmo tempo convidativos e repulsivos. E amei aquilo nele. Era como ver um espelho e ele sabia disso. Mas... não sei, não importa.
Segui, clichês, sentei ao lado dele, clichê, pedi um Martini (rosé, por favor), clichê, ele sorriu e falou que era por conta dele, clichê. Eu agradeci. Conversamos e, talvez por medo de escutar o nome de uma profissão indesejada, nem nos perguntamos no que trabalhávamos. Ele passou horas falando sobre a beleza dos meus olhos, ou do copo de cristal, deveras não há diferença. Senti uma breve idéia se formar, e todos os meus sentidos me incitavam a isso. Pedi licença, fui ao banheiro. Retoquei a maquiagem, voltei. Fomos embora, chamei-o para subir e ele subiu. Claro, sem compromisso, como quem quer conhecer a casa onde vai morar se tudo der certo. E sem compromisso nos amamos e a cada hora eu estava mais envolvida.
Breve história de amor, quando percebi que o fim estava próximo, mas não o meu fim, o fim daquela fantasia de bar, que começou 6horas atrás, resolvi terminar do meu jeito. Disse a ele que tudo havia sido lindo e que só tinha um jeito de continuar lindo, ao menos na minha cabeça. Dito isto, peguei uma faca e cravei-a no peito, no pescoço, na cabeça. Matei-o. Não, não me arrependo. Amo-o hoje, morto, quando sei que não pode me decepcionar. E quando calei todas as vozes que me diziam para amá-lo. Calei essas vozes porque agora realmente o amo. Morto e cristalizado junto com todos os momentos bonitos.

Aline Fall.
quinta-feira, 20 de maio de 2010 0 conceito(s)

Outro ser.

Muitas vezes deixo de escrever coisas por não saber como terminá-las. Ou por perder o sentido no meio. Outras vezes eu simplesmente presto atenção no que já escrevi e penso que seria melhor não terminá-las. O meu 'sujeito poético' é completamente pirado. E isso agrada a tantos. Eu vou viver pra sempre no mundo das poesias. Não tem volta. Começo por apresentar-me: Aline-de-alguma-coisa. Eu tenho uma história, só não sei dizê-la. Eu tenho uma vida e eu (não) sei vivê-la

Mas sou tão carnal e racional que não preciso sabê-la. Tenho no corpo o fogo, e um buraco na alma. Não sou poliglóta, não sei dançar. Não canto e nem sei amar. Não sou inteligente e nem gosto de estudar. Eu sei encantar, seduzir e dilacerar.

Sou Aline, de linhagem nobre, graciosa e elegante. Fall, caída, por natureza. Tenho o futuro que eu quiser. Resta a mim, saber o que quero.


Temo dizer que eu existo. Na ebriedade da sobriedade. No sonambular e no se embebedar. Sou eu que apareço. Sou eu que não me deixo esquecer. Sou Aline Fall, personalidade forte, estou sempre na beira, estou sem eira.

A. Fall
sábado, 8 de maio de 2010 1 conceito(s)

Sobre o hoje e o amanhã.

Hoje eu acordei, sozinha. Não estranhei. Eu sempre acordo sozinha. Não acordar de abrir os olhos, levantar. Mas acordar de despertar, sentir, idealizar. E me idealizei sozinha e quis continuar sozinha. E sei que sempre serei sozinha. Porque o meu amor machuca, o meu amor fere, o meu amor destrói. E hoje eu acordei e, como sempre, eu percebi que sou daquelas que fica melhor sozinha. Sou quem, junta fere, sozinha se destrói. Entre ferir e destruir, a pouca dignidade presente diz que devo me destruir sozinha. Hoje, eu acordei, mas amanhã eu não quero acordar. Não acordar de abrir os olhos, levantar. Mas acordar de despertar, sentir, idealizar. Amanhã, ah, amanhã não, amanhã eu quero é sonhar.
domingo, 2 de maio de 2010 1 conceito(s)

Das sensações do (meu) sentir.

Alma perigosa,
corpo talvez não (,)
tão frágil.

Olhos de cobra
sem presas (,)
não venenosas.

Bocas, não, boca
tais intenções
parece fazer (,)
de uma, milhões.

E o fogo que apaga
frieza, exala
daquela maneira
se toda, inteira
ou mesmo, metade.
sexta-feira, 23 de abril de 2010 2 conceito(s)

De vários assuntos e nenhum em comum.

Acaso lá, sou eu quem ouça lição de moral?
Acaso a vida já não encontra-se
perdida, destruída, despedaçada, repartida
a ponto de ninguém me entender mal?

Acaso seu olhos se escurecem
sem nenhuma prece
ou mais nenhuma reação
sem aquele gosto que fere
talvez não haja perdão
nem a dor que confere.

E, acaso, acaso repito
já foi, acaso, transcrito
e está inrustido e revestido
como desculpa de menino
que acha que faz sentido?

E, se, acaso, escrever
sempre que sofrer
ai de mim, infindáveis
serão as folhas
Procurarei ali minha redenção.

Escrever de secas lágrimas
de quentes sorrisos
de frias mãos e
ardentes línguas
Escrever como poeta,
com o que vier a mão.

E sem a tosse cessar
mal do século, mulher, bebida
morrer como digno poeta
morrer para completar a vida.
segunda-feira, 19 de abril de 2010 1 conceito(s)

Sem título IV

De certos acidentes
guardo tudo retorcido
dentro, na mente.
Decerto, friamente,
descrevo tudo visto
rosto sem sorriso
como alguem ausente
terça-feira, 6 de abril de 2010 1 conceito(s)

Da loucura e seu não-entender.

Não estranhe a melodia
a lua a dançar ao vento
se aos olhos desse dia
ela espantar o relento

Entre e veja escondido
todo o seu anti-ser
pode não ter sentido
mas tem certo poder

No sub-solo tudo grita
por sua alma perdida
para loucura, maldita.
domingo, 21 de março de 2010 0 conceito(s)

sobre as vozes.


pare de (me) observar,
sinta-se e não escute
aquela voz lhe falar.

esqueça os gritos
nada é tão real
são lamentos vívidos
não te fazem tão mal

nem os olhos fechados
fazem essa contínua sensação
de ser seguida passar

nada há de ser tão ruim
- nem essa voz a falar-
quanto o que há em mim
segunda-feira, 1 de março de 2010 1 conceito(s)

Ao fim.


Eu leio livros, sempre li. Na verdade, não sou original, inspiro-me neles, assim como qualquer um. Além de tudo, a escrita, em certa época transformou-se numa perigosa irrealidade.
Sempre fui fã de romances porque a minha realidade não era nada legal. Cada vez que lia Cinderela ou Rapunzel sentia-me dentro do conto, protagonista que era aos cinco anos. Um pouco mais velha, com o olhar crítico infantil de uma criança precoce, percebi como eram fracas as donzelas. E decidi transferir toda a força de vontade dos príncipes encantados para a minha vida.
Com 12 anos, juntei aos clássicos infantis o cinismo e ironia presente nos seriados americanos e ingleses e assim percebi estar alarmantemente sozinha. Isolei-me na escrita. Quanto mais passava o tempo, maior era o meu incômodo. Nunca soube fazer finais felizes e me divertia estragando a premiação do herói com a morte da mocinha, por exemplo.
Aos 18, senti tremenda vontade de fazer um conto de fadas. Noites sem dormir, litros de café e... nada. Desisti e voltei frustrada aos singelos poemas, mal-escritos, capazes de agradar a qualquer um.
Anos mais tarde tentei novamente, mas tudo a minha volta fazia incrível questão de me desacreditar. Crises, mortes, guerras, mortes, doenças, mortes, mortes e mortes. Senti-me Drummond, com apenas duas mãos e o sentimento do mundo. Prometi que voltaria, mais tarde, a isso.
Depois, casada e grávida do primeiro filho, me inspirei, mas tornei a fugir. Ora, quem leria um conto de fada de uma mulher que nem havia dado a luz? Seria tão inexperiente, desculpei-me com a minha sombra.
A partir dos 30-e-tantos fazia uma tentativa por ano, aproximadamente e nada. Agora, na surrealidade do pós-vida, talvez até conseguisse se quisesse, mas.. feliz (para uns) ou infelizmente (para outros) estou morta e mortos assombram, não escrevem!
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010 2 conceito(s)

Labirinto

Lá, onde desejos se encontram
Onde as almas livres se perdem
Lá, é onde, no fim, todos chegam

Perscrutando muros de ódio
e ratificando a tristeza
retificando os seus valores
versátil aquela estranheza

Revivendo seus piores medos
ao bel-prazer de tê-lo olhado
Aquele por quem viver ou morrer

Neste labirinto do coração
nesta crueldade sentimental
talvez encontre o que preciso
sem precisar usar a maldade.
sábado, 23 de janeiro de 2010 6 conceito(s)

truth

a eterna sordidez do meu ser
envolta em rasantes do sentir
presa por querer ir e vir
e por isso não poder fazer

espera sempre, ilusivamente
adiando aquele segundo
com que sentimento profundo
choro, compulsivamente

lágrima - Seca e dura
derramada sem ternura
em momento de solidão

incoerente ao toque
falso, espere e olhe
de alguém sem coração
 
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