domingo, 6 de junho de 2010

Fragmento para posteridade – quando tentar descobrir, por acaso, quem sou.

Não sei quando, não consigo realmente me conciliar com o tempo, mas em algum momento tudo aquilo que me aliviava e satisfazia virou meu tormento. O café só passou realmente a fazer efeito quando eu precisei inventar desculpa para a insônia, a dor de cabeça só me foi oportuna para esquivar-me das companhias. E mais, o sofrimento só me serviu de argumento quando queria achar que amava. E não sei quando, nem consigo colocar-me em sincronia na linha do tempo, mas em algum lugar eu deixei de ligar. Em algum lugar minha insônia deixou de existir, porque não havia mais sono e somente o medo da tormenta que viria a noite. A dor de cabeça, minha companheira, talvez das mais fiéis, acompanha-me até hoje, ela é amiga do meu bruxismo, do meu aparelho e de todo o meu cinismo; inimiga do meu sono e dos remédios (por isso evito os dois, talvez). O sofrimento, vai e volta, não faz-se presente o tempo todo, deixa lacunas, não consegue me acompanhar ao fundo e a beirada por tantas vezes. Nem conseguiria, eu nem ao menos consigo me manter sã por muito tempo. Hoje, sei apenas que me perdi, não sei nem o nome com que assinar aqui. A música virou meu lamento, cada frase, cada faixa, tem um sentido, encaixa-se em algum lugar ou na vida de alguma das minhas muitas pessoas. A única dúvida que me resta é onde esconder o meu cadáver, os meus cadáveres, aqueles que sobram cada vez que me alterno e me perco em mim mesma. Não sei nem ao menos quem briga ou não, já não sei nem quem irá acordar aqui amanhã, sei que as quero mortas, e me quero morta, quero o fim e a ruína, quero morrer a todo momento, quero que aos poucos eu vire muitas, muitos, todos. Quero ser tudo aquilo que digo que não sou e sou. Quero sentir que mesmo que meus textos sejam iguais a milhares, eles serão meus, porque quem os escreve sou eu, e nada irá tirá-los de mim.
E se, mais uma vez, tentar descobrir quem eu sou. Lembre-me, lembre-se, nem a morte e algum epitáfio colado na lápide dirá muito mais do que escrevo. Porque o que escrevo pode agradar a sua vista, mas não te ajudará a descobrir o que sou; talvez o que não sou, nunca fui e não pretendia ser. É, somente, mais uma maneira de encarar os fatos, de sentir que tudo está ao alcance das ideias. Das queridas ideias, do meu mundo ideal. Do meu mundo eidético.


Gabriela D.

Um comentário:

Anônimo disse...

Escrever é uma forma de exorcizar demônios para dar lugar a outros. Mais até, é criar demônios para melhorar o que se escreve. E quem escreve nunca é um só, é cada personagem, cada letra que forma as palavras e é também o espaço vazio entre elas.

 
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