sábado, 31 de dezembro de 2011 0 conceito(s)

Prólogo

Era só mais uma vez. Diferente das outras só havia a bebida. O que poderia ser um sinal de que até Aline se encontrava exausta. E talvez por ser Aline quem executava a ação, esta foi mais profunda que o normal. Adormeceu logo depois, dor e sono juntos, como sempre seria. No dia seguinte, desnorteada, nem ao menos se lembrou do que havia feito até olhar seu pulso, ou melhor, todo o seu ante-braço, pernas, garganta. Realmente, longe demais. Sorte sua o tempo ter virado tão depressa. Blusas de frio com o calor que estava seria abusar da burrice alheia. De qualquer maneira, de problemas já bastavam os que não lhe pertenciam e mesmo assim carregava. E ainda havia aquela confusão do dia anterior, o que era mesmo? Não tinha muita certeza. Gostaria de se mover, mas a verdade é que estava apreciando em demasia ficar ali, parada. Pelada, sem coragem de olhar para o lado e ver se estava acompanhada. Bobagem, ela sempre estava acompanhada... engraçado... sempre que pensava assim ela sentia um arrepio, por que não dessa vez? Gabriella... só poderia ser obra de Gabriella, o bom senso e a frieza que tomavam conta de Aline, com certeza, não lhe eram típicos. E quando sentiu uma vontade repentina de chorar (obra de Amélie, apostou) percebeu que já começava tudo a se misturar novamente, elas voltavam, Gabriella, Amélie, Aline... quem era ela afinal? Sua cabeça rodava, doía, latejava, explodia. "Não, eu não sou nenhuma dessas". Respirando fundo, se contendo o suficiente, decidiu que não queria descobrir quem era (ou eram) a responsável pelos problemas da noite dessa vez. Uma hora, de certo, uma delas piraria.

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Mel in ore, fel in corde

I

Verdadeiras as minhas palavras
Verdadeiros meus sentimentos
Visto que são tormentos
Visto que são o que lavras.

II

Vista sua roupa nova
Por cima de coração carcomido
Enfeite-se com aquela trova
Do seu choro conhecido.

III

Vejo, o que digo que não vejo
Não escuto, enquanto lhe presto atenção
Não digo, para corromper sua opinião
Respiro, para não deixar vago meu azulejo

(afinal parece que na vida o espaço é rotativo, não?)

IV

E por aqui fica lançado:
Eu não preciso de frases rimadas,
preciso é que de fato entendas,
minha palavra é tão ou mais falsa do que pensas.
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Sem destinatário

           Escrevo como uma carta, que gostaria de ter um destinatário, com letra caprichada e sem nenhum erro, com quase todo o meu vocabulário que não é nada complexo e sem mentiras. Uma carta, porém, que só de existir já é falsa por completa.
           Há algo que anda por rondar meus pensamentos, por quebrar os encantos e desfazer a calmaria que por meses toma conta de mim. Há algo que insiste em perturbar a harmonia forjada de tudo ao meu redor, em acordar velhos hábitos e despertar enormes vontades que há muito foram suprimidas.
           De pior só o fato de que não existem maneiras de ceder a esses antigos sentimentos sem causar um estrago hiperbolicamente maior do que havia quando eles andavam a soltas na minha cabeça. Repetidamente na cabeça, apenas: "the pistol, the poison, the noose or the knife". E aquele descontrole da essência que é o básico do fim da calmaria. De certo que quanto mais evasiva sou mais certeiro é o meu erro. E quanto menos conclusão parece que haverá nesse texto, mais e mais defeituosa ela será quando ocorrer.
           Escrevo essa carta como uma maneira de não me sentir absurda dissertando sobre meus problemas para mim mesma. Vou escrevendo pelos cantos como quem tem vergonha de demonstrar que voltou a ser (Ninguém mais pergunta "ser o quê?", imagino eu, então, que não devo explicações). Sei que ao ler essas palavras não tão profundas ou intensas quanto outrora, muitos me darão o título de "decadente", ao que responderei que sei lidar com as críticas e os elogios, na verdade, conheço-os todos, mas quanto a decadência... esqueçam... já estou no fundo de novo e daqui não há mais como descer.
           De acordo com o fluxo de palavras que me acometeu, não sei dizer se esse texto tem sentido, ordem ou qualidade. Se não tiver nenhum desses atributos, melhor ainda, garanto-lhes que assemelha-se cada vez mais a minha própria vida.
                                            Sem carinhos,
                                                       do fim da vida.
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Clichê

rasgado,
jogado,
dilacerado,
- coração.

trocado,
costurado,
amargurado,
- coração.

desprezado,
torturado,
desfigurado,
- coração.

amado,
recosturado,
recompensado,
- coração.
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Quatro passos para voltar a escrever

Para não cair naquele esquecimento, ou naquela mesmice, ou para fugir daquela vida medíocre, obsoleta, arrastada e/ou fingida, você volta a escrever. E fica relutando sobre essa “volta” como um daqueles velhos, barrigudos, viúvos que se entregam a uma analise enfadonha do cotidiano alheio por falta do que reclamar na própria vida que não tem mais pimenta, e nem intestino para digeri-la, o suficiente.
              Parabéns, você passou para a segunda fase. Você decidiu que pode fingir que não é, nunca foi e nunca será, a decadência personificada. Passo seguinte: abrir o seu computador de última geração, comprado com o dinheiro do seu nem-tão-querido-pai-que-precisa-compensar-a-ausência-de-algum-modo; sentar na sua poltrona com um estofado incrivelmente confortável, com uma caneca de cappuccino e um cigarro, daqueles caros, porque tem que completar a imagem e ficar contemplando o vazio com uma pose artisticamente forjada.
              Já na terceira parte, onde não depende de você ou da sua pobreza material (que obviamente não existe) , um enorme espaço em branco é o que aparece no lugar da inspiração, mas quem liga? Depois de um tempo você tem um tumblr, um Caio Fernando Abreu na cabeceira, um maço vazio, um café frio e milhares de amores ridículos frustrados – que nunca existiram, mas todo mundo só fala deles, não é mesmo? – escritos no Word (porque saber escrever corretamente é coisa de gente idiota e você não sabe usar o dicionário).
              A quarta parte não existe, porque logo você se desinteressa e vai jogar seus videogames modernos, com seus amigos e algumas garrafas de vodka. Aliás, permita-me uma errata, a quarta parte (quando você realmente leva esse treco estranho que é escrever a sério) é quando você descobre que a sua vocação é se matar, se matar todos os dias para extrair do fundo de qualquer pedaço de cinzas algo de útil – e isso nem sempre acontece e aí vem aquela vontade de se matar literalmente.

- Nenhum ser-humano da terceira idade foi machucado para que esse texto fosse produzido;
- Tenho certeza que o autor acima citado vai me perdoar de dentro do túmulo dele;
- Só quero reforçar que me xingar, criticar, elogiar,  ou quaisquer coisas do gênero, não farão a menor diferença na minha vida.
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Ohne

Sem se sentir bem com a farsa,
sem se sentir bem com o medo,
sem se sentir bem com o ódio
e com o desespero,

não existe maneira de

se sentir bem com a escrita,
se sentir bem com a leitura,
se sentir bem com a lacuna
que a vida faz questão de deixar.
 
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