quarta-feira, 27 de outubro de 2010 0 conceito(s)

Da profundidade

É uma profundidade incrível
difícil de respirar, veja bem,
com mil facas, a dor, seria plausível,
mas os gritos.. aqui não convêm.

E violinos e flautas em allegretto
sorrindo à alma de outrem.
E adagas ou balas em adagietto
cantando a morte para quase ninguém.

Tudo afundando em meio ao seco
nem mesmo a poeira se mantêm
do adagietto ouve-se ainda o eco
pois que o medo não o detêm.
domingo, 24 de outubro de 2010 1 conceito(s)

Burn

Deitada e transtornadamente sonolenta, ela apenas olhava aquela casa pegando fogo. Olhar figurativamente, porque seus olhos estavam fechados. Queimando imaginariamente porque a casa estava 'intacta'. A todo minuto alguém abria a porta, berrava no telefone, discutia no corredor e por isso fingia dormir, já que não era possível ter paz nem ao menos trancada no quarto. Se entregando, finalmente, ao monstro que sussurra tragédias ao pé de sua orelha... a qualquer momento ela colapsaria . Era inevitável e insuportável ver qualquer rosto estranho, a campainha tocava e ela arrepiava todo o seu corpo. Cada pessoa nova que visitava uma das casas era mais um motivo para que ela se trancasse em seu quarto. Por que tinha ela que conviver com tudo isso? Sentia, o tempo todo, que aquelas duas casas onde dividia o tempo não eram suas e ao mesmo tempo não conseguia sair delas. Nenhuma das duas era o seu lar.. eram, na verdade, seu inferno, paraíso de todos os seus tormentos secretos que nunca ousou nem ousaria descrever. Fonte de tudo aquilo que a deixava paranóica. Pensar que todo o seu dia era formado por pessoas excessivamente previsíveis para ela também a deixava angustiada (Sim, ela percebia o paradoxo disso).
Alguns dias, durante algumas de suas alucinações, imaginava como seria ser um livro. Estava pensando novamente nisso. Talvez até fosse divertido (ou, talvez, melhoro que estava sendo agora). Uma história escrita com início, meio e fim, onde todos podem fazer suas críticas sem serem julgados por isso; ou elogios, sem que sejam mau-interpretados por folhas de papel. E trancados a uma rotina de ser lido, emprestado, devolvido, emprestado, lido, devolvido, lido, devolvido, emprestado, etc. Pensando melhor, não seria nada divertido... pessoas desconhecidas e sem respeito, senso ou inteligência seriam capazes de lê-los da mesma maneira. NÃO, definitivamente, não. Assim como não valeria a pena continuar trancafiada aos seus traumas, assim como não poderia lidar com mais uma rotina.
Ela só tinha que sair dali, sair dali, sair dali. Mas para onde? Ela perguntou ao seu 'monstro trágico'. Isso descobriremos depois que isso aqui estiver queimando. Não leve nada, passaremos na outra casa e lá a história termina. Termina? Sim, lá você queimará junto com a mobília. Mas e as outras pessoas? Você morrerá sozinha.
E esse era o colapso pelo qual ela ardentemente esperava. Qual outra saída ela teria? Pelo menos assim aniquilaria seus fantasmas. Ou eles aniquilariam com ela.
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Fardo.

Muitas vezes me fiz abandonada
com a expectativa correspondida
doada de todo e talvez repelida
de alma incontavelmente dilacerada

Muitas vezes fui surpreendida
carinho e respeito inesperado
e me notava deixando-os de lado
só para cansar e ser esquecida

Fardo meu, tal maneira dispersa
prendendo aleatoriamente tal atenção
no seguinte ato, quebrando um coração
de modo crivelmente possessa.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010 0 conceito(s)

De como te conheci

_____________________________ -a você que nem ao menos existe

Você estava tão perdida

Saindo de mais uma armadilha

Fugida de uma vida iludida

Mais uma vez, uma outra trilha


Te encontrei em meio caminho

Caída naquela rua de ladrilho

Onde’u chorava derrota, sozinho

Encostada você e seu espartilho


Pensei em mil maneiras

Te acordar, te molhar, bater

Tudo imensas baboseiras


E por fim deitei-me ao seu lado

Com meu chapéu e um baralho

E sem nenhum trocado.


terça-feira, 5 de outubro de 2010 0 conceito(s)

Non, rien de rien.

Você não saberia me dizer como é estar ou ser como estou ou sou. Não é como se eu alcançasse o céu e o inferno, não é como se eu estivesse parada na terra, muito menos como se eu oscilasse entre os extremos. A verdade é que estou pairando, ou melhor, vagando, por algum local no meio, sem nome ou descrição. Vagando sim, pairando não, porque pairar é algo tão positivo, admirável e leve que é o completo oposto do que estou vivendo. Vagando lentamente e sem forças para decidir-me entre subir e descer. Mas, sei bem eu, que no ponto onde cheguei ainda há volta, mas, cansada como cá me encontro, sei também que nunca irei escolher subir, a luz queima a minha vista acostumada com a escuridão involuntária.
Se alguém encontrar o que escrevo sei que nunca me deixarão sair daqui. Julgam que tentei me matar, mas não é por isso que me machuco, não é para a morte e sim pela vida, aquela que quero sentir, pela auto-punição por todos aqueles que fiz chorar sem nem ao menos me importar, pela minha apatia e falta de resolução. Mas aqui não ajo mais assim, já que retiraram do meu quarto todos os objetos com os quais eu pudesse me infligir dor, logo após a primeira vez que me ataquei por tentar me fazer entender que eu deveria estar mau por estar aqui.
Agora, um ano depois, restaram poucas cicatrizes, as quais, em sua maioria, são as do dia que me trouxe até aqui. Elas só existem por causa de um jogo que joguei comigo mesma. Para cada cena triste, torturante, negativa de uma maneira geral, que assistisse e não chegasse nem ao menos a estremecer, seria uma dor equivalente que haveria eu de sentir. Depois do quinto vídeo, aproximadamente, perdi a conta e algum tempo depois a consciência. Acordei aqui, nesse hospital que não faço a questão de dizer o nome. Não sei quem paga já que para mim não há mais ninguém. São só detalhes, não importam. O que me fará falta deste lugar, com certeza será a alta dosagem de calmantes legais ou ilegais nos quais eu despejo a culpa do meu não me mover.
Falo sobre saudade porque hoje é a última sessão com o terapeuta infeliz que admitiu derrota diante a minha fraqueza e que sorriu, juntamente a mim, quando percebeu que estava disposta a colaborar se eu pudesse sair daqui.
Gostaria apenas de uma certeza ter. De que lá fora tudo continuaria igual. Eu e o meu silencio, a minha solidão, a minha vida e o meu livre arbítrio. Foi difícil me acostumar com o ‘tudo’ obrigatório deste lugar, quero apenas voltar ao meu isolamento voluntário. Talvez o querer tudo do meu jeito, e querer tudo que é meu somente para mim sejam as emoções mais fortes que eu consigo ter. acredito que foi aí que tudo começou.
Quando perdi algo valiosamente meu, algo do qual nunca deveria abrir mão, quanto menos deixar morrer. E esse algo valeu pela minha vida, deixar todas as minhas partes morrerem seria pouco perto de ter ficado parada observando paralisada e sem culpa ou pesar o “assassinato” que cometi. Aí comecei a vagar, mais uma auto-punição. Fiz valer como verdade.
E se volto para ‘casa’, volto com apenas uma intenção: terminar o que não consegui. Traçar o limiar da dor. E se este for a morte? Assim será.
 
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