segunda-feira, 28 de junho de 2010 1 conceito(s)
Location: nowhere – Date: no day – addressee: you



_____Eu tenho estado esperando por alguém que nem existe. Eu não movo meus olhos com medo de perder algum acontecimento. Eu evito fazer ruídos que me impeçam de ouvir os murmúrios do mundo. Evito olhas nos olhos porque não quero a verdade. A que me diz, com olhos de pena, que não existe alguém por quem esperar. A que sussurra que não vai acontecer nada se ficar parada. E a que GRITA para que eu exorcize os meu demônios. A que pede que eu grite junto.
_____Procuro um motivo para gritar, não acho. A apatia rotineira deixa tudo azul, monocromaticamente azul, tranquilo e sem graça (ah, se ainda fosse o azul do céu, com sua parte de branco, de rosa, de laranja-pêssego). O costume que me sempre recusei a ter, faz parte de minh'alma e qualquer movimento inesperado me deixa em pânico. A adrenalina já não tem me feito tão bem, depois fica sempre um gosto amargo. Quero meus tons de cinza de volta. Algo me diz que eles me foram roubados. Me foi levada a distinção entre o meu pensar, o pensar comum e o ideal. Mas sei que minhas cores apagadas estão latentes aqui. Como uma ferida esperando que a encostem para voltar a doer.
_____ Saindo desses devaneios, percebo agora quão medíocre me tornei. Portadora de mim mesma, me entreguei a um mundo que se encontra na rotina, na moral e nos bons costumes. Por isso, quero que entendas, não é por não te querer que te abandonei na calçada, com nossos cafés nas mãos. É por te querer demais que eu me tornei isso. E eu odeio o que você me fez querer ser. Eu odeio ter que corresponder a expectativas tão baixas, onde para ser feliz é preciso apenas de uma casa, um carro e uma pessoa (ou um cachorro). Mas ao te deixar, volto a ser o que era, mais vivida, quem sabe? Te agradeço por ter me feito voltar, mesmo que isso tenha mais de mim. Você é uma parte de mim, assim como todos e cada um que já passaram por aqui. Quero que me perdoe, não tenho motivos, apenas quero, talvez para tranquilizar minha consciência, talvez por me importar contigo.
_____Não sei bem como me despedir, então te desejo todo o amor que eu tenho e não pude te dar. Meu maior medo sempre foi o de me doar, quando o venci, eu me perdi. Entenda e viva, porque quebrar meu coração e te deixar foi a única maneira de me fazer voltar a viver.

_________________________ Com carinho todo carinho que me é permitido ter,
__________________________________________________Gabriela D.

p.s.: não creia que irei me matar. Sou demasiada orgulhosa para atentar contra o amor próprio que me faz te deixar. Só irei mudar de ares. Quero ser alguém melhor, para merecer algo tão bom quanto quem você é para mim. Não consigo aceitar que alguém me pertença sem que eu mereça.

p.p.s: eu ainda te amo, mas isso não muda a magoa que deves estar sentindo. E, talvez, por isso, nosso futuro não exista. Apenas o meu e o seu.
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Rose

Sou o centro da rosa

sou escondida por pétalas

mas não perco a beleza


não há inveja dos miolos

eu não entro na roda para brincar

e não há bem ou mal me querer

que me destrua


as rosas não se apaixonam

as minhas sementes não são esmagadas

mas as pétalas, coitadas

morrem por amor (que nem delas são)


mortas as pétalas

não há mais minha beleza

escondida havia mistério

exposta vê-me pobreza


e já que amar mata

não amem, odeiem

mas não acabem com o encanto

das flores que por acaso te rodeiem.

domingo, 20 de junho de 2010 1 conceito(s)

Como ver o fim

Tenho marcas nos pulsos

Tenho olhos profundos

De eterno desgosto

Na folha, sangue sem gosto


No ouvido, blues, deprimido

Na mão, gilete, envelhecido

Na boca um comprimido


Na veia, veneno lento

Dando doce acalento

Ao fim deste tormento.


quarta-feira, 16 de junho de 2010 0 conceito(s)

Cartas

Paris – França, 15 de agosto de 2000, terça-feira.


Esta é minha última carta. Minha carta de despedida, minha carta para nunca mais. O que houve? O que há? Ele me deixou, fisicamente e psicologicamente. Ele morreu. Nós tínhamos um pacto. A nossa fuga do tédio e o nosso amor por escrever sempre nos manteriam unidos. Não precisávamos pedir nada um ao outro, nosso olhar era do mais puro entendimento. E ele me traiu, me abandonou, prometemos dar um fim nisso juntos e deram um fim na vida dele antes. Ele morreu, foi para outro lugar, melhor ou não, e me deixou aqui, tendo que conviver com as lembranças, com o clima frio que combina exatamente com o meu coração. Nosso pacto foi quebrado, mas não de propósito. E agora olhando para as ruas de Paris, e olhando para todo esse branco do céu, resolvo me juntar. Tenho vinho e veneno e será assim que me juntarei a ele. A qualquer momento isso pode fazer efeito, vejo você em outra vida, mãe.

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Paris – França, 15 de agosto de 2000, terça-feira.



Escrevo, novamente, para dizer que não, não me matei, ou melhor, não consegui, não cheguei a tomar o veneno. De alguma forma, por força do hábito servi dois cálices, botei veneno em um e por ‘sorte’ tomei o outro. Quando percebi, após ficar esperando pela morte, o meu erro, impulsionei-me para o copo restante. E então o telefone tocou. Atendi e ouvi apenas um ‘fique aí, eu já chego’. Não reconheci a voz, mas essa voz me impediu de continuar. Essa voz apagou o tédio e acendeu em mim uma vontade de ficar, de esperar e ver quem vai chegar. Agora, levemente alterada, aguardo ou pela minha salvação temporária ou pela minha sentença de morte, pois creio ficar maluca de decepção. Ah, mãe, o tempo aqui está frio como sempre, mas por instantes acho que aqueci meu coração.

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Paris – França, 17 de agosto de 2000, quinta-feira.



Ele apareceu, mas não havia ligado. Simplesmente resolveu ver como ou se me encontrava. Que engraçado, eu jurei ter ouvido o telefone tocar e a voz era exatamente a mesma, sem urgência, mas com a intensidade para impedir alguém fraco de fazer qualquer coisa.
Você não sabe quem ele é, nem ao menos eu sei quem é. Tocou a campainha e disse “sou eu”. Oras, se fosse um ladrão eu simplesmente tomaria a outra taça. Mas era ele. Eu o olhei e o mundo resolveu virar, eu já não sabia nem ao menos o meu nome. A face não era a mesma, nem as roupas e nem o perfume, mas nos olhos dele eu via aquele meu eu morto, aquele outro que morreu e me abandonou, viva, aqui. Não sei se é ilusão, quem nunca acreditou em anjos? E se mudou a aparência apenas para que eu não descontasse minha mágoa por ter sobrevivido sozinha?
Quem sabe, mãe, o que vai acontecer? E não, não quero que venhas me visitar. Eu sei, ou melhor, não sei o que estou fazendo. Mas, pelo meu bem, tenho que fazer.

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Paris – França, 31 de agosto de 2000, quinta-feira



Até hoje mantenho aquela taça envenenada na estante. É o que me dá forças para continuar, saber que há sempre uma fuga ali, bem na minha frente, ao alcance das minhas mãos. Recebi mais umas visitas, elas não ligam mais. Tudo muda: rosto, gosto, cheiro, toque... Mas nunca o olhar. Elas vêm, conversam comigo sobre as minhas vertigens, ilusões, adaptações, escritas, etc. Mas nunca tive coragem de perguntar nada. É como se eles fossem meros psicólogos ou como se pudessem fugir ao ouvirem algo que ameaçasse seus segredos. Ah, é, mãe, eles são cheios de segredos. Como me conhecem? Como chegaram aqui? Ou por que todos têm o mesmo olha de sofrimento como a me pedir desculpas?

Sinto sua falta,
Sempre sua filha, Amelie.

p.s.: as visitas tem ficado cada vez mais raras. Não me engano, sei que o fim se aproxima.

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Paris – França, 19 de setembro de 2000, terça-feira



Não quero mais, cansei. Mas eu preciso que voltem. Fazem duas semanas. Me sinto abandonada, de novo, o tempo aqui, em Paris, junto com meu desespero, aumenta; e por mais que eu olhe para o copo eu sempre lhes dou uma segunda chance. Eu fico esperando um outro telefonema. Fico olhando pela janela, mesmo sabendo que me visitando ou não eles nunca serão vistos pela janela. Acho que a ânsia por vê-los torna resistível a ideia do fim. Mas até quando? Tudo tem perdido a validade e eu tenho medo de explodir. Te mando notícias quando puder.

Ainda sua filha, Am.

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Paris – França, 24 de setembro de 2000, domingo



Hoje é meu último dia. Veio aqui alguém sem desculpas nos olhos, sem tocar a campainha ou me esperar trocar de roupa. Me mandou parar com a ilusão, me chamou de louca, disse que eles não existem. E me disso que devo deixar a senhora morta e em paz. Esse sujeito, denominado meu pai, diz que vai me internar. Chegou em casa e tratou logo de jogar o veneno fora. Trancou a porta e desligou o telefone. Está passando um café enquanto espera a ambulância chegar. Ok, mãe, não importunarei mais a senhora com cartas alienadas, com suposto(s) fantasma(s) que me mantêm viva e com todo o meu egoísmo por ter sido trocada pela morte. Espero que sobre ao senhor que está na cozinha apenas a mágoa de não ter conseguido salvar sua filha. E agora é chegada a hora. Nada de veneno, infelizmente não sei voar, por isso, hoje, irei enfeitar as ruas de Paris.

Te encontro por aí, amada mãe.
De sua única filha, Amelie.
terça-feira, 8 de junho de 2010 2 conceito(s)

O vendedor de balões


Um dia, eu quis ser vendedor de balões, e hoje sou. Não existe profissão mais bonita que esta. Sorrisos, felicidade, diversão, admiração e nunca vai sair de moda. Mas o que mais me fascinava eram, ainda são, os balões. E pensando bem, o que eu gostaria mesmo é de ser um balão.

Daqueles vermelhos, sabe? Com um formato bem bonito, que chame atenção. Mas, se me perguntarem: 'por que um balão?'. Ele é leve, tudo que quer é ser livre e subir, subir, até estourar quando for obrigado pela pressão atmosférica a isso. Ele está preso por apenas um fino fio que a qualquer momento pode se arrebentar ou seguro por uma criança tola que pode soltá-lo e ficar a observar, com lágrimas nos olhos, culpa e vontade de ter novamente.

O destino dos balões, senão estourar, é definhar, aumentar seu peso e afundar no chão até ser destruído por impiedosos em busca de diversão ou esvaziar lentamente devido a furos. Mas se eu fosse um balão seria daqueles que estouram no céu, que não retorna a terra, que tem um fim sozinho, porém bonito, discreto e digno de admiração aos que ousassem ver. Eu seria aquele balão que ninguém nunca acharia outro igual para repor quando fosse perdido.

Refletindo melhor, ouso dizer que sou um balão, sou esse balão. Existe uma mão me segurando através do fio da realidade que me prende, porém o horizonte da loucura, a perspectiva de conhecer algo novo, mesmo inconcebível, me atrai e eu faço força para cima, faço força para fugir. Tenho ânsia de conhecer o inusitado. Morrer com os pés no chão é algo impensável para um balão como eu.

domingo, 6 de junho de 2010 1 conceito(s)

Fragmento para posteridade – quando tentar descobrir, por acaso, quem sou.

Não sei quando, não consigo realmente me conciliar com o tempo, mas em algum momento tudo aquilo que me aliviava e satisfazia virou meu tormento. O café só passou realmente a fazer efeito quando eu precisei inventar desculpa para a insônia, a dor de cabeça só me foi oportuna para esquivar-me das companhias. E mais, o sofrimento só me serviu de argumento quando queria achar que amava. E não sei quando, nem consigo colocar-me em sincronia na linha do tempo, mas em algum lugar eu deixei de ligar. Em algum lugar minha insônia deixou de existir, porque não havia mais sono e somente o medo da tormenta que viria a noite. A dor de cabeça, minha companheira, talvez das mais fiéis, acompanha-me até hoje, ela é amiga do meu bruxismo, do meu aparelho e de todo o meu cinismo; inimiga do meu sono e dos remédios (por isso evito os dois, talvez). O sofrimento, vai e volta, não faz-se presente o tempo todo, deixa lacunas, não consegue me acompanhar ao fundo e a beirada por tantas vezes. Nem conseguiria, eu nem ao menos consigo me manter sã por muito tempo. Hoje, sei apenas que me perdi, não sei nem o nome com que assinar aqui. A música virou meu lamento, cada frase, cada faixa, tem um sentido, encaixa-se em algum lugar ou na vida de alguma das minhas muitas pessoas. A única dúvida que me resta é onde esconder o meu cadáver, os meus cadáveres, aqueles que sobram cada vez que me alterno e me perco em mim mesma. Não sei nem ao menos quem briga ou não, já não sei nem quem irá acordar aqui amanhã, sei que as quero mortas, e me quero morta, quero o fim e a ruína, quero morrer a todo momento, quero que aos poucos eu vire muitas, muitos, todos. Quero ser tudo aquilo que digo que não sou e sou. Quero sentir que mesmo que meus textos sejam iguais a milhares, eles serão meus, porque quem os escreve sou eu, e nada irá tirá-los de mim.
E se, mais uma vez, tentar descobrir quem eu sou. Lembre-me, lembre-se, nem a morte e algum epitáfio colado na lápide dirá muito mais do que escrevo. Porque o que escrevo pode agradar a sua vista, mas não te ajudará a descobrir o que sou; talvez o que não sou, nunca fui e não pretendia ser. É, somente, mais uma maneira de encarar os fatos, de sentir que tudo está ao alcance das ideias. Das queridas ideias, do meu mundo ideal. Do meu mundo eidético.


Gabriela D.
 
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