sexta-feira, 30 de julho de 2010 0 conceito(s)
Que idiotice. Ela pensava. Parada no meio de uma sala com tv a cabo no canal de desenhos infantis. Lugar cheio de crianças, nada contra crianças, mas achava isso tudo um tanto deprimente. Colocou seu fone de ouvido ridículo que tampava o som dos lados e ficou se permitindo o que há muito não fazia: se iludir, viajar, devanear. Ridículo, essas crianças quase batem em mim, e eu sinto medo delas. Não era bem medo, mas ela reparava como todas as crianças sempre parecem saber mais do que o tamanho e a idade delas. E foi daí que partiu seu raciocínio. Começou a se lembrar se sabia demais quando era criança e foi interrompida.. um desses senhores que tem complexo de Peter Pan berrou com sua criança, tentando ser engraçado e frustrando-se. Voltou, foi interrompida, voltou, foi interrompida. Caramba, será difícil as pessoas gritarem longe o suficiente de mim? Respira, respira. Retomou a calma e foi para o jardim, estava frio, mas não creio que ela se importava. Deitou no chão, pela primeira vez esquecendo a sua fobia, fechou os olhos, respirou fundo pela última vez e olhou o céu. Foi o suficiente para deixá-la sem ar. Não precisou pensar nem por meio momento na beleza daquele lugar. Tudo aquilo foi entrado pelos olhos dela. Foi deixando-a extasiada. Baixou um pouco os olhos do céu e observou a paisagem. E viu aquilo pelo qual ela vinha lutando para escrever fazia tempo. Nunca conseguiu entender o quanto algumas pessoas parecem distantes das outras em todas as ocasiões. Parecia tão anti-natural. Porque se tudo na natureza vivia em conjunto e harmonia, por que as pessoas precisavam se isolar? Ela se sentia mal por estar fora da vida, muitas e muitas vezes. Mas ao olhar aquela paisagem e ver aquela única árvore ao longe, uma árvore que ela sabia só estar só vista de longe... uma árvore que podia não ter nada tão grande quanto ela ali, ao alcance da vista.. mas uma árvore que prezava por cada coisa menor ou insignificante que estava ali ao seu redor, coisas que ficavam cada vez maiores a medida que vamos chegando perto... percebeu que precisava olhar melhor para si e para cada um dos outros sozinhos ao seu redor. Cada uma daquelas pessoas tem outras que podem não estar sempre em evidência, mas que tem sua importância, construtiva ou destrutiva. Respirou fundo, escreveu tudo isso, e olhou para o local de onde havia vindo. Decidiu que continuaria por onde estava mesmo. Ainda não estava preparada para sentir as pessoas com aquele 'novo olhar'. Talvez sofresse um colapso. Exagerada como sabia ser, talvez gritasse para que o senhor parasse de berrar com a criança, pois a hora já era avançada e ele estava incomodando a pequena grama que crescia ao redor daquela árvore isolada ao fundo e que isso talvez as fizessem fugir. Como ele poderia se atrever?
quinta-feira, 29 de julho de 2010 2 conceito(s)

Balloons


Brincando com balões
todos em forma de corações,
estourei, sem querer, o maior
com facilidade mór.

E do maior fiz menor balão
ainda em forma de coração
surpresa grande, difícil estourar.
Coração menor, menos para amar.

Quanto mais diminuto o balão
mais difícil estourar.
Quanto 'menos' coração,
mais difícil machucar.
quarta-feira, 14 de julho de 2010 0 conceito(s)

Breve conto de amor - parte 2.

Era como uma febre o que eu sentia, calafrios, suores e depois calma. Deitada na cama, fingindo dormir. Todos passavam ao meu lado e sussurravam entre si. Todos sabiam que eu era uma assassina. Todos sabiam que eu havia matado sem dó, sem piedade e que não me arrependia. Sosseguei minha alma, essa sim era eu. Agora, taxada como assassina tudo o que viesse de mim seria inesperado, seria melhor do que alguém que mata poderia fazer. Porque quando se está no fundo do poço ou você acena ou tenta subir. Eu ainda não sabia o que fazer. Essa indecisão fez minha calma passar, movi-me lentamente e descobri-me presa. Os aparelhos indicaram o aumento do ritmo cardíaco, os olhares se voltaram para mim, alguém chamou a enfermeira e me injetaram calmantes. Tudo ficou tranquilo e sem foco, não sentia mais o que me prendia e adormeci. Foi um descanço bom, rápido e indolor. Não indolor porque me fez esquecer a terrível consciência do assassinato e sim porque diminuiu as dores dos machucados que obtive na tentativa de tal ação. Tentativa essa que, me orgulho de dizer, foi efetivamente completa.
Após alguns ataques parei de tentar me soltar. Já sabia minha alma ser livre e não me importava em estar com as mãos e os pés presos em uma cama de hospital. Pois bem, depois de uma longa ausencia de meus gritos fui sendo “desamarrada”, já podia passar tempos fora da cama.. e depois me liberaram para passear no sol – o que devo dizer: me fez quase voltar a ter ataques histéricos para me poupar do calor. Não importa. A enfermeira me contou que estava em um hotel psiquiátrico, que fui encontrada desmaiada ao lado de um homem morto, ambos nus. Sexto sentido, maternal ou não, fez minha mãe ir em meu apartamento e como eu não a recebi, ficou preocupada e chamou os vizinhos tão bondosos e curiosos, arrombaram a porta e descobriram. E me trouxeram para cá, inconsciente.
Depois de algumas visitas, onde sempre fingia estar dormindo e apenas escutava os choros reprimidos e o orgulho ferido 'aonde foi que eu errei?'... veio me ver um advogado, cheio de pompa. Daquele tipo que tem inteligência o suficiente para disfarçar toda a falta de caráter e toda a sua superficialidade. Conversou comigo e me expos os fatos. Óbvio que eu podia alegar legítima defesa, disse-me ele. Um desconhecido que eu levei para casa e que tentou me bater depois do sexo. Poderia alegar insanidade ou até homossexualismo. Que advogado brilhante, não? Prometi analisar o que iria dizer. Dei opiniões positivas, elogiei e ele saiu de lá, tão certo quanto eu ser louca, convencido de minha lucidez e de nossa legítima defesa.
Fiquei recolhida, quieta, em meu canto e quando o tempo esfriou ia de bom grado absorver o ar frio, o clima ameno e o céu cinza e seco que me era tão agradável. Em um desses passeios ela me chamou a atenção. Louca, como eu, assassina, como eu, e provável que com o mesmo signo, ascendente, cor dos olhos... coisas que eu nunca saberia afirmar ao certo. Me aproximei daqueles cabelos sem corte, daquela alma-irmã. Garota profunda, me olhou nos olhos e disse que matou por amor, se levantou e saiu correndo. Fiquei parada e berrei, berrei que eu também tinha matado por amor e que era para ela voltar aqui!
Ela voltou e disse em meu ouvido que sabia e que quem mata por amor não mata o amor. E que me admirava da mesma maneira que se admirava, porque nós.. nós sim, conhecíamos a única maneira de eternalizar o amor perfeito: matando-o para manter a fantasia intacta.
Não foi difícil amá-la. Era como o meu reflexo. Ao contrário e ao mesmo tempo idêntico. Passamos bons momentos, maus momentos, terríveis conversas que nos deixavam sem dormir, cada qual no seu quarto, cada qual do seu lado do espelho. Como meu reflexo, ou melhor, como todo reflexo.. há duas situações em que deixam de existir: quando o que é refletido some, morre, sai da frente do espelho; ou quando o espelho é quebrado. Logo, nós sabíamos quem era o reflexo e o refletido. Sabíamos que o reflexo é o mais fraco porque além de depender do que reflete, depende do espelho intacto para ser o mais puro e genuíno reflexo.
Sabíamos que o nosso espelho já estava rachado e quando ela disse-me que deporia alegando a – maldita – legítima defesa para ser solta e que me aguardaria do lado de fora... estilhaçou-se o vidro. Reflexo fraco, vulnerável. Durante a noite fiz aquilo que deveria ser feito. Matei-a. Simples. Não estava em mim, não me lembro se a deixei sufocada, ou envenenada, ou esfaqueada, ou seja-lá-o-que-fosse. Tenho certeza que na minha estante, ao lado do meu 'amor-perfeito' congelado, tenho agora o meu 'amor-que-quebrou-meu-coração' congelado também.
E a história é essa. Quero pedir desculpas ao senhor meu advogado, mas eu não agi em legítima defesa para salvar a minha vida. Visto que isso já não tenho e não tinha. Agi em legítimo ataque. Considerem que o ataque é a melhor defesa e verão que agi para salvar e guarnecer meu pobre coração de boas e autênticas lembranças. Espero ser condenada pelo que mereço. Posso ser louca. Mas fiz o melhor. Pois enquanto houvesse em mim a capacidade de amar, haveria também a capacidade de matar. Obrigada.


Aline Fall.
sábado, 10 de julho de 2010 1 conceito(s)

Desconhecida

Uma terra encantada
com tanto orgulho
e tanta desgraça.
Um lugar que não descansa.
Inspira seu perigo
onde a morte dança.
E os vidros partidos
as balas perdidas
os gritos não-amigos
os fantasmas nas ruas.
Belas moças nuas
mostrando (sua) mágica
de ter a vida em frangalhos.
Paro sem aviso
com fone no ouvido,
músicas que lembram
um sorriso desconhecido
uma voz ainda surda
um mistério sem carapuça
alguns dias, breve...
E a cidade querida,
maravilhosa e bem vista
- fica esquecida
enfiada na mala,
continua seguindo
com seus gemidos
por mim não ouvidos -
não espera pela alegria
ânsia em sintonia
por algo aguardado.
quarta-feira, 7 de julho de 2010 0 conceito(s)

Confissões de uma atriz.

Ela sentia o peso daquele anel pendurado no pescoço, enquanto andava pela rua. Não era fácil conviver com tudo que lhe diziam. As vezes pensava estar louca, as vezes exultava de expectativas. Não morava com a mãe, mas aquele anel, aquele primeiro anel que ganhara enquanto criança pesava como se ela estivesse lá, morando naquela casa e com o aquelas repreensões. Era por isso que evitava usar aquele cordão e se perguntava se era engraçado um simples pendurucalho ainda fazer o efeito daqueles dias.

Virou a esquerda, a esquerda, a direita e reto. Chegou aonde deveria, não onde queria ou gostaria. Sentou-se na recepção e aguardou. Não havia ninguém feliz, mas ela aparentava felicidade (enquanto por dentro se chamava de ridícula, idiota, hipócrita, insensível). Sentiu-se incomodada. Sabia que a sua falsa 'felicidade' irritava os outros. Colocou a mão no pescoço e praticamente arrancou o cordão e como o impulso virou-se para jogá-lo na bolsa. Mas parou, de repente, com aquele pequenino artefato na mão, apertou-o e percebeu-se mais segura. As lágrimas que havia acabado por quase derramar secaram e ela entendeu que junto com a sua mão havia uma outra, invisível a apoiá-la e confortá-la.

Sabia que não era a melhor pessoa do mundo e sabia que a culpa era sua. Já havia, há muito, cansado de culpar sua criação, suas dores, seus traumas. Talvez seu único problema fosse a cabeça fraca, a genética nada tinha a ver com isso. Pensou que agora nada mais havia de ser feito, estava no fundo, bem no fundo e só procurava uma maneira mais rápida e eficaz de se enterrar viva. Tudo psicológico, não havia problemas financeiros ou amorosos. Apenas conflitos internos, fraca também de coração.

Olhou para cada um no recinto, sentiu seus sofrimentos. Suas perdas estavam estampadas em cada movimento, em todos os rostos. Era como uma placa brilhante que dizia: 'olhe para mim, eu estou em pedaços e quero a sua compaixão'. Ao pensar assim ergueu a visão para a tv e afastou seus sinais de repulsa, por cada uma daquelas pessoas que imploravam a atenção. Conferiu o relógio e aquele ato tão racional, tão calculado e ao mesmo tempo tão involuntário fez-a voltar a si completamente. Voltou a pensar coisas fúteis, sobre o seu tempo perdido naquela sala de espera e sobre o que a esperava lá fora ou seja, nada.

Chamaram-na, finalmente, para entrar. Levantou, sorriu em agradecimento, atravessou o corredor frio e agradeceu ao senhor que lhe abriu a porta. Se sentiu em uma câmara frigorífica e se agradeceu por ter lembrado de levar um casaco. Quanto a essa parte, não há muito o que falar. Ela reconheceu a mãe. Foi rápido e fácil. Ofereceram um tempo para ''se despedir'', o qual recusou, repensou e aceitou. Sozinha com o corpo percebeu que ainda apertava forte o anel e só ali percebeu o quanto ela lhe fazia falta. Colocou o presente de infância na mão inerte e o deixou lá. Não se importava que o roubassem nos preparativos para o enterro, ela necessitava sentir falta da mãe e aquela lembrança cheia de presença tinha que sumir. Limpou as lágrimas, recompôs-se, saiu de cabeça erguida, assinou alguns papeis abriu a porta e se retirou para a rua cheia de cenas falsas.

Havia se decidido. Não havia ninguém a esperá-la. Por que não fazer as unhas e sair a procura de alguém ao léu hoje a noite? Afinal, ela precisava de uma recompensa por ter fingido ser uma filha tão boa quando nem mãe tinha desde os cinco anos.

sábado, 3 de julho de 2010 1 conceito(s)

de antes para depois.

A sintonia que queria em mim

encontrei em olhar você.

Ah, alegria que surgiu, enfim.


Não me importo de sorrir

mesmo que não seja assim

que seja mais um ir e vir.


Veja a expectativa não é alta

minha tolice apenas é o que me condena

por ser eu tão frágil astronauta

insana de viagem pela tormenta.


Para longe, com pensamento vão

agora me sinto toda viver.

Menina que segurava seu coração

Não sinta o menor medo de sofrer.

 
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