quarta-feira, 7 de julho de 2010

Confissões de uma atriz.

Ela sentia o peso daquele anel pendurado no pescoço, enquanto andava pela rua. Não era fácil conviver com tudo que lhe diziam. As vezes pensava estar louca, as vezes exultava de expectativas. Não morava com a mãe, mas aquele anel, aquele primeiro anel que ganhara enquanto criança pesava como se ela estivesse lá, morando naquela casa e com o aquelas repreensões. Era por isso que evitava usar aquele cordão e se perguntava se era engraçado um simples pendurucalho ainda fazer o efeito daqueles dias.

Virou a esquerda, a esquerda, a direita e reto. Chegou aonde deveria, não onde queria ou gostaria. Sentou-se na recepção e aguardou. Não havia ninguém feliz, mas ela aparentava felicidade (enquanto por dentro se chamava de ridícula, idiota, hipócrita, insensível). Sentiu-se incomodada. Sabia que a sua falsa 'felicidade' irritava os outros. Colocou a mão no pescoço e praticamente arrancou o cordão e como o impulso virou-se para jogá-lo na bolsa. Mas parou, de repente, com aquele pequenino artefato na mão, apertou-o e percebeu-se mais segura. As lágrimas que havia acabado por quase derramar secaram e ela entendeu que junto com a sua mão havia uma outra, invisível a apoiá-la e confortá-la.

Sabia que não era a melhor pessoa do mundo e sabia que a culpa era sua. Já havia, há muito, cansado de culpar sua criação, suas dores, seus traumas. Talvez seu único problema fosse a cabeça fraca, a genética nada tinha a ver com isso. Pensou que agora nada mais havia de ser feito, estava no fundo, bem no fundo e só procurava uma maneira mais rápida e eficaz de se enterrar viva. Tudo psicológico, não havia problemas financeiros ou amorosos. Apenas conflitos internos, fraca também de coração.

Olhou para cada um no recinto, sentiu seus sofrimentos. Suas perdas estavam estampadas em cada movimento, em todos os rostos. Era como uma placa brilhante que dizia: 'olhe para mim, eu estou em pedaços e quero a sua compaixão'. Ao pensar assim ergueu a visão para a tv e afastou seus sinais de repulsa, por cada uma daquelas pessoas que imploravam a atenção. Conferiu o relógio e aquele ato tão racional, tão calculado e ao mesmo tempo tão involuntário fez-a voltar a si completamente. Voltou a pensar coisas fúteis, sobre o seu tempo perdido naquela sala de espera e sobre o que a esperava lá fora ou seja, nada.

Chamaram-na, finalmente, para entrar. Levantou, sorriu em agradecimento, atravessou o corredor frio e agradeceu ao senhor que lhe abriu a porta. Se sentiu em uma câmara frigorífica e se agradeceu por ter lembrado de levar um casaco. Quanto a essa parte, não há muito o que falar. Ela reconheceu a mãe. Foi rápido e fácil. Ofereceram um tempo para ''se despedir'', o qual recusou, repensou e aceitou. Sozinha com o corpo percebeu que ainda apertava forte o anel e só ali percebeu o quanto ela lhe fazia falta. Colocou o presente de infância na mão inerte e o deixou lá. Não se importava que o roubassem nos preparativos para o enterro, ela necessitava sentir falta da mãe e aquela lembrança cheia de presença tinha que sumir. Limpou as lágrimas, recompôs-se, saiu de cabeça erguida, assinou alguns papeis abriu a porta e se retirou para a rua cheia de cenas falsas.

Havia se decidido. Não havia ninguém a esperá-la. Por que não fazer as unhas e sair a procura de alguém ao léu hoje a noite? Afinal, ela precisava de uma recompensa por ter fingido ser uma filha tão boa quando nem mãe tinha desde os cinco anos.

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