quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Quase um conto de amor.

Estávamos todos reunidos, como de praxe, naquela casa falsamente velha, precariamente localizada, porém impressionantemente mobiliada e suficientemente mística (os adjetivos não são exagerados, garanto-lhes) para um desses encontros de fins-de-semana, onde há muita bebida e a tão necessitada válvula de escape da rotina. O álcool e a decoração já haviam feito o papel perfeito para causar medo e excitação na cabeça de todos, menos, talvez, na de Andrew, que nunca bebia e era o dono da casa.

Ninguém se lembrava, nem ao menos eu, quem havia sugerido que aquele popular jogo do compasso - do copo, ou do que quer que fosse – se tornasse a diversão da noite, mas acho que devido à áurea local seria quase impossível fugir de terminar em um jogo como esse. De qualquer maneira, quando demos por nós já nos encontrávamos entoando orações e evocando espíritos (nos quais a maioria de nós nunca acreditou).

Dando sequência ao jogo, perguntas eram feitas por todos e respondidas de maneira surpreendentemente correta. Aos poucos, os sorrisos escarnecedores foram se esvanecendo enquanto os céticos se agarravam a sua ciência com uma segurança tal qual se agarrariam a um fio de cabelo ressecado.. Claro, havia algumas regras forjadas para que a brincadeira ficasse mais ‘real’, todas ligadas às permissões; você deveria pedir para sair, perguntar, ir embora, etc.

Precisei ir ao banheiro e quando voltei fiquei observando Andrew. Em demasia concentrado, era o autor de poucas, porém das mais desconcertantes, perguntas e parecia absorver para si toda a mística do ambiente. Fui obrigado a interromper minha análise quase ‘neurótica’ no momento em que Lea me chamou para retornar ao jogo. Recusei-me, prontamente, afinal o efeito do álcool já estava passando e eu sempre fui um tanto quanto covarde. Quando lhe disse isso, foi como se a houvesse tomado conta uma súbita loucura, começou a rir, a me chamar de medroso e a gritar para todos ouvirem que ela havia manipulado quase todas as respostas desde o início. Sem escapar ao clichê, creio ter visto um olhar vidrado o qual só percebi depois já que a bebida foi julgada culpada pelo desvario.

Logo após o ocorrido, o ambiente ficou sensível e justificadamente pesado demais, e, mesmo alterados todos perceberam que era hora de partir. Como eu dormiria naquela casa, esperei para me despedir antes de ir me trocar e me higienizar. Quando terminei de fazer o que deveria voltei para a sala. Não sei se o fiz demasiadamente silencioso ou se Andrew encontrava-se tão concentrado de cabeça baixa que não ouviu minha aproximação... Fato é que o ouvi dizendo, ou melhor, sussurrando, como se houvesse alguém ajoelhado ali, a sua frente e ele murmurasse em seu ouvido:

- Obrigado, Albert. Eles quebraram as regras. Agora, vamos atrás deles.

Levantou-se sem, novamente, sequer notar minha presença ali. Saiu, me trancando sem chaves e de tal maneira estuporado que somente depois de um longo tempo (durante o qual, quem me observasse acharia que eu estava decorando cada milímetro da porta) vi um bilhete para mim, na mesa de centro:

“Richard, você obteve permissão para sair, portanto está a salvo. Agora seremos eu e você, novamente.

Do seu,

Andrew.”

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