sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Nach dem Tod

               Ela acordou um pouco tonta mas tranquila e descansada. Na verdade se sentia melhor do que há muito. Percebeu que ao seu lado em sua cama de casal havia um corpo morto por queimaduras e cortes. Não sabia diferenciar qual dos ferimentos matou. Olhou para o lado e em cima de seu criado havia uma faca grande e bem afiada como aquelas facas usadas em churrascos, um isqueiro bonito, daqueles de prata com enfeites que geralmente os fumantes ganham de presente e, por fim, uma cartela do seu antidepressivo favorito. Não reconhecia o corpo em estado lastimável que se encontrava ao seu lado, não se lembrava de ter dormido com alguém na noite passada, há tempos não recebia visitas e quando recebia demonstrava alguma má disposição pra  todas elas se retirarem logo.
                Mas a questão não era descobrir de quem era o corpo, pelo menos naquele momento, e sim como iria escondê-lo, já que o fato de não se lembrar do que ocorreu não a salvava da culpa que provavelmente cairia sobre ela quando descobrissem o crime. E, de qualquer maneira, se era necessário que alguém descobrisse sobre isso, seria ótimo que os detalhes fossem os mais bizarros possíveis "Se é para ser cruel, seremos extraordinariamente cruéis", deu uma risada, "Já falo no plural, devo ser louca mesmo. Essa pose irá cair bem no tribunal."
                 Pensou em fazer uma sopa e distribuir em algum lar de caridade, desistiu porque provavelmente alguém já havia feito aquilo e não queria a suspeita de algum serial killer ou não gostaria de ser comparada a um qualquer. Quem sabe bancar Der Metzgermeister e comer pedacinho por pedacinho a pessoa assassinada ao seu lado, desistiu novamente porque não gostava de carne queimada. Decidiu por fim abrir uma cova rasa no quintal onde os infernais filhos do vizinho brincavam e deixar um pedaço do dedo do lado de fora. Tinha ânsias de ser descoberta e estava consciente disso.
                 Depois de ter ajustado na sua tranquila cabeça como seria sua pequena aventura finalmente pode começar a vasculhar sua mente em busca de memórias da noite anterior. Tentando descobrir primeiramente de quem era aquele corpo rasgado, mutilado e queimado que iria enterrar em breve, olhou ao seu redor e percebeu que seu quarto se encontrava no mesmo estado lastimável do defunto, nada menos que destruído totalmente e, ao perceber isso, foi como se uma neblina que lhe cobria a vista desaparecesse. Notou que a faca estava jogada em um canto, o isqueiro quase não existia mais, assim como sua cortina, seus travesseiros, seu guarda roupa, sua tv e - "Espera, aquilo ali é a mangueira de gás?" - muitos flashs na sua cabeça começaram a surgir, a angústia da noite anterior, a solidão, a desistência, a escolha minuciosa sobre cada detalhe, primeiro os remédios, depois o sangue e depois o gás e se deparou no dia seguinte com o seu próprio corpo em uma situação melhor do que poderia ter imaginado, e riu "É... poderia ser pior... eu poderia ter que carregar esse corpo lá pra fora agora."
               

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