segunda-feira, 7 de março de 2011

Uma semana.

- Feche os olhos e tente enxergar o escuro. O que você vê?
- Bom, eu não vejo, não tem nada para ver, só uma densa parede negra e intransponível.
- Você não vê nada?
- Não, já disse. Por que a insistência?
- Por nada, me desculpe o incômodo.
O grande porém é que não era por nada que ela perguntava. Era inconcebível em sua cabeça que mais ninguém visse o que ela via quando fechava os olhos, principalmente na hora de dormir. Aqueles olhos de gato, amarelo encarnado, aqueles olhos de quem não a deixaria em paz enquanto ela não seguisse junto. Mas para onde? Por quê?
- Você acordou gritando novamente...
- E eu disse alguma coisa?
- Não, mas você estava segurando sua cama como se fosse ser levada dela se a largasse. O que está havendo?
- Pesadelos... pesadelos... é o estresse dessa busca incessante por vencer o tempo e fazer tudo que devo dentro do prazo, somente.
- Ah, sei como é, meu trabalho tem me lev...
Indiferente ao que lhe era dito só vinha a mente aqueles olhos e aquele terror pelo qual passava logo após vê-los. Rezava o “pai nosso” cinco, dez vezes, sem nem ao menos prestar atenção ao que repetia, se ligando ao significado de proteção, que quando criança, lhe fora incutido. E depois, já sonolenta, ficava desviando o olhar daquelas órbitas sulfurosas que marcavam a escuridão do fundo de suas pálpebras como que a lhe observar.
Quando, posteriormente, adormecia, era açoitada pela visão de crianças demoníacas com mãos esqueléticas que aguardavam algo, algo que ela nunca via, algo que sempre surgia vagarosamente e tornava o ar inviável para a respiração e logo depois começava a puxá-la para algum lugar que incutia verdadeiro terror. Não sabia para onde, sabia que independentemente era o último lugar que gostaria de estar e por isso ela berrava e berrava e berrava, porque seu corpo não respondia à sua vontade, seu coração parecia prestes a explodir, sua mão se segurava à sua cama e só quando ela juntava forças o suficiente para o grito de desespero final é que conseguia acordar. Era recorrente acordar com falta de ar, coração disparado, mãos vermelhas por segurarem  a lateral de ferro da cama e com seu irmão do seu lado, olhando com uma fisgada de medo o centro daquele esgar de sofrimento.
- Ei!!
- O quê? Me desculpe, devaneios.
- Eu percebi, tem certeza que não há nada?
- Tenho, obrigada, peço, porém, que me desculpe, mas terei que me retirar, sinto ânsias de vômito.
E saiu correndo para o banheiro regurgitar toda a água que bebeu ao acordar exasperada e todo o jantar da noite anterior que pareceu se recusar a ser digerido durante a noite.
Durante uma semana ela sofreu com a aproximação constante daqueles olhos espertos e observadores que não perdiam a oportunidade de aparecer nem em seus cochilos. Dormir era uma necessidade que forçada e frustradamente estava tentando ser superada. As crianças de mãos esqueléticas começaram a se movimentar, agora sussurravam algo ininteligível que quase aguçava a curiosidade dela, mas em contrapeso o medo de ser arrastada crescia em uma escala extraordinariamente superior ao interesse pelo que não podia escutar.
Uma semana foi o tempo que levou para que os olhos mostrassem não ser apenas olhos e sim algo, talvez um monstro, sem forma definida, sem possibilidade de descrição. Uma semana foi o tempo que levou desde o dia das primeiras ânsias até as crianças de mãos esqueléticas finalmente chegarem perto a ponto de poderem afagar seus cabelos. Uma semana foi o tempo que ela conseguiu resistir com as mãos sangrando nas laterais da cama contra aquilo que a puxava. Uma semana foi o tempo que levou para escutar o que sussurravam. Uma semana foi o que ela precisou para entender que esses sussurros diziam: “você é nossa, nunca mais irá sair daqui”. Uma semana foi o tempo que levaram para encontrar o corpo, mutilado, lançado contra a parede, dentro do quarto em que ela dormia trancada. Uma semana.

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