esses não são verdadeiros motivos,
talvez por orgulho mas não preconceito,
quem sabe fruto de algum receio?
Não por amor e ódio,
tais já não removem o ócio.
Não à razão ou à loucura,
para transformar sua alma em pura.
Não por ser tórrido como o inverno,
sendo do céu um subalterno.
Nem por ser gélido como o verão,
tão quente por fora, por dentro não.
O maior motivo para escrever
sempre será para não se deixar de ser.
Por entrelinhas duvidosas e extremos sinais,
ou por nojo desses filtros de vidas carnais.
Que não fazem nada mais do que proibir
a integridade dos atos, falhos ou não
que atravessam barreiras de pudor
e deixam um lastro amargo de rancor,
fazendo sempre de culpado o coração.
Companhia da quase obrigação de sorrir,
boa educação e gentileza são vitais
para que não lhes interesse nada a mais;
pois que, de alguma coisa, deve servir
fingir não ter malícia e sim compreensão,
desviando todo o foco para o fervor
daquele que narra, do seu completo terror.
Ao que escuta, respondendo com conselhos vãos.
Sabe que não há o que seja pior de sentir
se usa de si mesma para ganhar e seguir
e ao perder, segue seus instintos de louca.
Sente a vitória fervilhar na ponta do dedo?
E sente o peso de toda responsabilidade dela,
como no escuro, quem segura uma vela,
é seguido por quem das trevas tem medo.
Sente tristeza de para com almas jogar?
Mas eis que jogando direito não existe o triste,
nem o feliz. Em realidade, nada que o irrite.
Além da rota fora de seu armado lugar.
Sente assim como não saber o que ser?
Continuar seguindo como menor dos hesitantes,
resistir como quão bravo o melhor dos aspirantes,
ou voltar atrás por nobre alguém, se acaso merecer.
difícil de respirar, veja bem,
com mil facas, a dor, seria plausível,
mas os gritos.. aqui não convêm.
E violinos e flautas em allegretto
sorrindo à alma de outrem.
E adagas ou balas em adagietto
cantando a morte para quase ninguém.
Tudo afundando em meio ao seco
nem mesmo a poeira se mantêm
do adagietto ouve-se ainda o eco
pois que o medo não o detêm.
Alguns dias, durante algumas de suas alucinações, imaginava como seria ser um livro. Estava pensando novamente nisso. Talvez até fosse divertido (ou, talvez, melhoro que estava sendo agora). Uma história escrita com início, meio e fim, onde todos podem fazer suas críticas sem serem julgados por isso; ou elogios, sem que sejam mau-interpretados por folhas de papel. E trancados a uma rotina de ser lido, emprestado, devolvido, emprestado, lido, devolvido, lido, devolvido, emprestado, etc. Pensando melhor, não seria nada divertido... pessoas desconhecidas e sem respeito, senso ou inteligência seriam capazes de lê-los da mesma maneira. NÃO, definitivamente, não. Assim como não valeria a pena continuar trancafiada aos seus traumas, assim como não poderia lidar com mais uma rotina.
Ela só tinha que sair dali, sair dali, sair dali. Mas para onde? Ela perguntou ao seu 'monstro trágico'. Isso descobriremos depois que isso aqui estiver queimando. Não leve nada, passaremos na outra casa e lá a história termina. Termina? Sim, lá você queimará junto com a mobília. Mas e as outras pessoas? Você morrerá sozinha.
E esse era o colapso pelo qual ela ardentemente esperava. Qual outra saída ela teria? Pelo menos assim aniquilaria seus fantasmas. Ou eles aniquilariam com ela.
com a expectativa correspondida
doada de todo e talvez repelida
de alma incontavelmente dilacerada
Muitas vezes fui surpreendida
carinho e respeito inesperado
e me notava deixando-os de lado
só para cansar e ser esquecida
Fardo meu, tal maneira dispersa
prendendo aleatoriamente tal atenção
no seguinte ato, quebrando um coração
de modo crivelmente possessa.
Você estava tão perdida
Saindo de mais uma armadilha
Fugida de uma vida iludida
Mais uma vez, uma outra trilha
Te encontrei em meio caminho
Caída naquela rua de ladrilho
Onde’u chorava derrota, sozinho
Encostada você e seu espartilho
Pensei em mil maneiras
Te acordar, te molhar, bater
Tudo imensas baboseiras
E por fim deitei-me ao seu lado
Com meu chapéu e um baralho
E sem nenhum trocado.
Se alguém encontrar o que escrevo sei que nunca me deixarão sair daqui. Julgam que tentei me matar, mas não é por isso que me machuco, não é para a morte e sim pela vida, aquela que quero sentir, pela auto-punição por todos aqueles que fiz chorar sem nem ao menos me importar, pela minha apatia e falta de resolução. Mas aqui não ajo mais assim, já que retiraram do meu quarto todos os objetos com os quais eu pudesse me infligir dor, logo após a primeira vez que me ataquei por tentar me fazer entender que eu deveria estar mau por estar aqui.
Agora, um ano depois, restaram poucas cicatrizes, as quais, em sua maioria, são as do dia que me trouxe até aqui. Elas só existem por causa de um jogo que joguei comigo mesma. Para cada cena triste, torturante, negativa de uma maneira geral, que assistisse e não chegasse nem ao menos a estremecer, seria uma dor equivalente que haveria eu de sentir. Depois do quinto vídeo, aproximadamente, perdi a conta e algum tempo depois a consciência. Acordei aqui, nesse hospital que não faço a questão de dizer o nome. Não sei quem paga já que para mim não há mais ninguém. São só detalhes, não importam. O que me fará falta deste lugar, com certeza será a alta dosagem de calmantes legais ou ilegais nos quais eu despejo a culpa do meu não me mover.
Falo sobre saudade porque hoje é a última sessão com o terapeuta infeliz que admitiu derrota diante a minha fraqueza e que sorriu, juntamente a mim, quando percebeu que estava disposta a colaborar se eu pudesse sair daqui.
Gostaria apenas de uma certeza ter. De que lá fora tudo continuaria igual. Eu e o meu silencio, a minha solidão, a minha vida e o meu livre arbítrio. Foi difícil me acostumar com o ‘tudo’ obrigatório deste lugar, quero apenas voltar ao meu isolamento voluntário. Talvez o querer tudo do meu jeito, e querer tudo que é meu somente para mim sejam as emoções mais fortes que eu consigo ter. acredito que foi aí que tudo começou.
Quando perdi algo valiosamente meu, algo do qual nunca deveria abrir mão, quanto menos deixar morrer. E esse algo valeu pela minha vida, deixar todas as minhas partes morrerem seria pouco perto de ter ficado parada observando paralisada e sem culpa ou pesar o “assassinato” que cometi. Aí comecei a vagar, mais uma auto-punição. Fiz valer como verdade.
E se volto para ‘casa’, volto com apenas uma intenção: terminar o que não consegui. Traçar o limiar da dor. E se este for a morte? Assim será.
Até parece que foi tudo em vão,
A minha realidade imaginária
Sempre tentando dizer que não,
Com a mesma força de uma luminária.
Mas não existe uma explicação
Qualquer que vá satisfazer
Essa ânsia meio na contra mão
Sem menor ideia do que quer dizer.
Não parece mas tem sido tudo em vão
Crê ter certeza disto agora
Um pouco de nobre emoção
Para quem forja sentimentos afora
- Vamos assaltar um banco?
- Vamos! Que tal aquele?
- Grande demais. E este?
- Pequeno demais. Tem aquele, lá perto da minha casa.
- É discreto, gostei.
- Vamos roubar como?
- Direto da boca do caixa, mais adrenalina.
- Do cofre, mais emoção.
(simultâneo)
- Do cofre e do caixa.
- Ótima ideia.
- Minha, sua.
- Sua, minha.
(simultâneo)
- Nossa.
- Poderíamos usar armas de plástico!
- É, daquelas que esguicham água. Que tal?
- Seria tão engraçado.
- Seria não, será.
- Ótimo, vou roubar meia calça da minha mãe para usarmos na cabeça.
(risos)
- E eu as arminhas d’água do meu irmão.
(mais risos)
(silêncio)
(olhares sérios)
- Eu sou gay.
- Ótimo, porque eu sou lésbica.
- Ok.
- Ok.
- Até amanhã.
- ‘té’ mais.
E no meio de tanta expectativa, talvez só não tremessem diante da ideia de realmente assaltar um banco. Durante a noite dormiram bem e mal, respectiva, aleatória e simultaneamente, tanto fazia. Eles haviam se conhecido em um ônibus qualquer, em um dia de total mau humor para ambos e nenhum dos dois conseguiu melhorar o humor do outro, nem ao menos tentaram, ficaram só se encarando como se jogassem aquilo de não piscar e não rir. Empatou, nenhum riu. Taurina, aposto. Taurino, aposto. Corretos sem saber.
- Oi!
- Oi!
- Trouxe as meias.
- Também.
- Tudo bem, trouxe as arminhas, por precaução.
- Que bom, eu também.
- Vamos para outro lugar?
- Pode ser... eu não sou gay.
- Tudo bem, continuo sendo lésbica.
(silêncio)
- Vamos?
- Vamos.
(silêncio)
- Você não está brava?
- Não, eu só quero roubar o banco.
(silêncio)
- Realmente não está chateada?
- Não.
(silêncio)
- Não ficou com raiva da mentira?
- Não, todos nós mentimos.
- Me sinto melhor agora.
- Não consegue conviver com a mentira?
-Não.
- Que pena.
(silêncio)
- Que tal entrarmos aqui?
- Pode ser.
Foi uma conversa deveras estranha. Qualquer passante acharia se tratar de dois loucos. Encontravam-se tão entrosados que um policial poderia para ao lado e ficar escutando que nem perceberiam. Riam imaginando a cara dos reféns e da cara dos ‘seguranças’ sem poder reagir.
- Sem reagir?
- Claro, faremos reféns com uma arma de plástico na cabeça.
- Mas eu ou você?
- Eu.
- Ah, mas queria tanto me sentir no poder também.
- Taurina?
- Acertou, taurino?
- Sim, como soube?
- Só um reconhece o outro.
- Ok, mas no próximo sou eu.
- Próximo?
- Próximo.
- Legal, próximo.
- Você pega o dinheiro, então?
- No próximo, nesse não.
- Ah é, ok.
- Que tal agora?
- Por mim... vamos lá.
Levantaram e caminharam em direção ao banco, cada um mais ansioso que o outro. A cada passo o sorriso doentio de criança que vai fazer algo errado aumentava. Chegaram lá gargalhando sem nem ao menos haver sido entabulada uma conversa. Do lado de fora ela o beijou.
- Eu sou lésbica.
- Eu gosto de você.
- Eu também gosto de você.
- Você não é lésbica?
- Mas eu só gosto de você, entende?
- Entendo.
- Não está chateado?
- Com a verdade?
- É.
- Não, eu gosto dela.
- Que pena.
- O quê?
Mas ela já havia entrado no banco, rendido um policial e anunciado o assalto. Era a vez dele recolher o dinheiro. Da próxima seria ela. Seria ela, da próxima.
Por tudo meu escasso
Vindo de dentro, progresso
Por fora nem meio passo.
De toda minha ausência
Por toda minha demência
Uma pequena busca, carência
Satisfaço-me e retiro-me, vivência.
De tudo que me afeta
Por toda ignorante, esperta
Durante, sorrindo seleta
Antes, chorando na fresta.
De todos e por todos
Desculpo-me e me redimo
E faço tudo de novo
Sem suspiro.
desabafando antigas mágoas
esperando que elas passem
só por serem ditas.
Quão vil pode ser alguém?
Usando de desconhecidos
e com seu copo de vinho
lágrimas chegam ridículas.
Salga o rosto, estremece
o clima entristece,
surge o momento para dizer
o porque do seu sofrer.
Mas se lembra sempre
daquele desconhecido amigo,
o qual, na mesa do bar,
você nunca mais irá pensar.
Vender meu corpo,
comprar uma passagem e ir,
só alma, para deus-dará.
Eu vou fugir de mim, sabe?
Vender meu sorriso,
comprar uma passagem
e perder o trem,
só para comprar outra
e ver que eu tenho coragem
de continuar algo do qual eu desisti.
Eu vou fugir daqui, sabe?
Vender minha alma,
porque o corpo já ficou
no início, junto
com o sorriso.
Vender minha alma e vagar,
pura mente perdida,
por onde calhar de chegar.
Eu vou fugir de lá, sabe?
Vender minha vida,
desastrada e sofrida,
e ir para longe do mato,
ligeira e volátil,
de onde nunca fui nem serei.
Eu vou fugir do sempre, sabe?
Vender minha rotina,
minha verdadeira assassina,
vou comprar sapato,
mochila, calça, agasalho,
vou partir de vez,
nada pior do que já fiz.
E não mais vou fugir, sabe?
Mas vou comprar tudo de volta,
corpo, sorriso, alma e vida,
só não me devolva a rotina,
a única que não quero ver
e que se caso acontecer,
me fará vendê-los todos
outra vez.
E meus olhos não, há muito, reluziam
Nada para que eu não me lembrasse
Das lágrimas se, talvez, elas secassem
Hoje, meus pés nem ao menos esquentaram
E aquelas pontadas na cabeça voltaram
Tudo para que eu não me esqueça da hora
E não me tranque do meu lado de fora
Amanhã, meus braços, por repúdio, sangrarão
E minhas pernas, por desespero, correrão
Só para que eu, finalmente, perceba
Parada não há nada que eu receba.
ter um final feliz?
Ou seria só mais um conto de fadas,
querida meretriz?
Acreditas, mesmo, naquilo tudo
que você sempre diz?
Ou seria só uma maneira de fugir
do destino que quis?
Não se incomode, minha querida atriz,
deixo-te jogar
E lutar contra a sina de ser infeliz,
por ti traçada
Não te enganarei sob as cartas,
ainda ensino-te a blefar
Mantenho-me apenas um pouco longe
da luz vermelha da sacada
Arriscando alguns de meus truques por alguém
que, vejo, sabe ao menos dançar.
Parece-me que no fim do dia
O sol não quer mais andar, subir, descer.
Num espaço de minutos tudo esfria,
Entristece...
Ou, talvez, o dia só esteja sempre atrasado
Assim como eu, reparo (-me) de repente
Ele vai acontecendo, acontecendo, de leve,
Distraído...
E, de repente, já deu a hora,
Apressa-se de tudo, desliga o aquecedor,
Apaga a luz e vai-se embora,
Já acabou seu show.
Auscultando seriamente cada pedaço em mim
não se enxerga mais tal amargura antiga sem fim,
ou aquele, digno de falsa lástima, sofrimento.
Concentro-me tanto em absorver tanto
que quando, sem exceções, leio um livro
percebem-me fechada em uma redoma de vidro
de tal maneira que o reproduziria em canto.
Mas o vento muda constante, disso bem sei eu
e se, no momento em que leio, ele se inverte
não consigo ser, de um escritor, mera tiéte
Tomo posse de caneta e escrevo, mesmo que no breu.
Estávamos todos reunidos, como de praxe, naquela casa falsamente velha, precariamente localizada, porém impressionantemente mobiliada e suficientemente mística (os adjetivos não são exagerados, garanto-lhes) para um desses encontros de fins-de-semana, onde há muita bebida e a tão necessitada válvula de escape da rotina. O álcool e a decoração já haviam feito o papel perfeito para causar medo e excitação na cabeça de todos, menos, talvez, na de Andrew, que nunca bebia e era o dono da casa.
Ninguém se lembrava, nem ao menos eu, quem havia sugerido que aquele popular jogo do compasso - do copo, ou do que quer que fosse – se tornasse a diversão da noite, mas acho que devido à áurea local seria quase impossível fugir de terminar em um jogo como esse. De qualquer maneira, quando demos por nós já nos encontrávamos entoando orações e evocando espíritos (nos quais a maioria de nós nunca acreditou).
Dando sequência ao jogo, perguntas eram feitas por todos e respondidas de maneira surpreendentemente correta. Aos poucos, os sorrisos escarnecedores foram se esvanecendo enquanto os céticos se agarravam a sua ciência com uma segurança tal qual se agarrariam a um fio de cabelo ressecado.. Claro, havia algumas regras forjadas para que a brincadeira ficasse mais ‘real’, todas ligadas às permissões; você deveria pedir para sair, perguntar, ir embora, etc.
Precisei ir ao banheiro e quando voltei fiquei observando Andrew. Em demasia concentrado, era o autor de poucas, porém das mais desconcertantes, perguntas e parecia absorver para si toda a mística do ambiente. Fui obrigado a interromper minha análise quase ‘neurótica’ no momento
Logo após o ocorrido, o ambiente ficou sensível e justificadamente pesado demais, e, mesmo alterados todos perceberam que era hora de partir. Como eu dormiria naquela casa, esperei para me despedir antes de ir me trocar e me higienizar. Quando terminei de fazer o que deveria voltei para a sala. Não sei se o fiz demasiadamente silencioso ou se Andrew encontrava-se tão concentrado de cabeça baixa que não ouviu minha aproximação... Fato é que o ouvi dizendo, ou melhor, sussurrando, como se houvesse alguém ajoelhado ali, a sua frente e ele murmurasse em seu ouvido:
- Obrigado, Albert. Eles quebraram as regras. Agora, vamos atrás deles.
Levantou-se sem, novamente, sequer notar minha presença ali. Saiu, me trancando sem chaves e de tal maneira estuporado que somente depois de um longo tempo (durante o qual, quem me observasse acharia que eu estava decorando cada milímetro da porta) vi um bilhete para mim, na mesa de centro:
“Richard, você obteve permissão para sair, portanto está a salvo. Agora seremos eu e você, novamente.
Do seu,
A promessa era não dizer o que queria
A promessa era não quebrar mais nada
Mas, uma vez condicionada
Fazia o contrário do prometido,
já no automático, ligada.
Você deve fazer o que quer fazer
Se depende de mais alguém
Se esforce para o convencer.
Fogo-fátuo é a promessa
Quase, mesmo, fantasma, espírito
Corre atrás de quem a faz
Acompanha-o com a mesma pressa.
Amèlie
Sinta bem o ar frio que congela os soldados
Não fuja dos percalços por ver estradas destruídas
Mesmo que nas ruínas haja apenas os corpos de seus cavalos alados
Corra.
Fugídia como a luz que se vê menor que a escuridão,
Dissipa-se.
Para continuar seu caminho na contra-mão,
Dispa-se.
Deita aqui na rede, longe da sua agora quebrada cama de dossel
Percorrendo aos poucos,
Sentindo as folhas,
Com seus segredos, omitindo
que o nosso sofrimento é muitas vezes, eufemicamente, cruel.
Vou contigo, num caminho sem volta,
de onde nunca deveria ter saído, daquele livro escondido.
Brincando com balões
todos em forma de corações,
estourei, sem querer, o maior
com facilidade mór.
E do maior fiz menor balão
ainda em forma de coração
surpresa grande, difícil estourar.
Coração menor, menos para amar.
Quanto mais diminuto o balão
mais difícil estourar.
Quanto 'menos' coração,
mais difícil machucar.
Após alguns ataques parei de tentar me soltar. Já sabia minha alma ser livre e não me importava em estar com as mãos e os pés presos em uma cama de hospital. Pois bem, depois de uma longa ausencia de meus gritos fui sendo “desamarrada”, já podia passar tempos fora da cama.. e depois me liberaram para passear no sol – o que devo dizer: me fez quase voltar a ter ataques histéricos para me poupar do calor. Não importa. A enfermeira me contou que estava em um hotel psiquiátrico, que fui encontrada desmaiada ao lado de um homem morto, ambos nus. Sexto sentido, maternal ou não, fez minha mãe ir em meu apartamento e como eu não a recebi, ficou preocupada e chamou os vizinhos tão bondosos e curiosos, arrombaram a porta e descobriram. E me trouxeram para cá, inconsciente.
Depois de algumas visitas, onde sempre fingia estar dormindo e apenas escutava os choros reprimidos e o orgulho ferido 'aonde foi que eu errei?'... veio me ver um advogado, cheio de pompa. Daquele tipo que tem inteligência o suficiente para disfarçar toda a falta de caráter e toda a sua superficialidade. Conversou comigo e me expos os fatos. Óbvio que eu podia alegar legítima defesa, disse-me ele. Um desconhecido que eu levei para casa e que tentou me bater depois do sexo. Poderia alegar insanidade ou até homossexualismo. Que advogado brilhante, não? Prometi analisar o que iria dizer. Dei opiniões positivas, elogiei e ele saiu de lá, tão certo quanto eu ser louca, convencido de minha lucidez e de nossa legítima defesa.
Fiquei recolhida, quieta, em meu canto e quando o tempo esfriou ia de bom grado absorver o ar frio, o clima ameno e o céu cinza e seco que me era tão agradável. Em um desses passeios ela me chamou a atenção. Louca, como eu, assassina, como eu, e provável que com o mesmo signo, ascendente, cor dos olhos... coisas que eu nunca saberia afirmar ao certo. Me aproximei daqueles cabelos sem corte, daquela alma-irmã. Garota profunda, me olhou nos olhos e disse que matou por amor, se levantou e saiu correndo. Fiquei parada e berrei, berrei que eu também tinha matado por amor e que era para ela voltar aqui!
Ela voltou e disse em meu ouvido que sabia e que quem mata por amor não mata o amor. E que me admirava da mesma maneira que se admirava, porque nós.. nós sim, conhecíamos a única maneira de eternalizar o amor perfeito: matando-o para manter a fantasia intacta.
Não foi difícil amá-la. Era como o meu reflexo. Ao contrário e ao mesmo tempo idêntico. Passamos bons momentos, maus momentos, terríveis conversas que nos deixavam sem dormir, cada qual no seu quarto, cada qual do seu lado do espelho. Como meu reflexo, ou melhor, como todo reflexo.. há duas situações em que deixam de existir: quando o que é refletido some, morre, sai da frente do espelho; ou quando o espelho é quebrado. Logo, nós sabíamos quem era o reflexo e o refletido. Sabíamos que o reflexo é o mais fraco porque além de depender do que reflete, depende do espelho intacto para ser o mais puro e genuíno reflexo.
Sabíamos que o nosso espelho já estava rachado e quando ela disse-me que deporia alegando a – maldita – legítima defesa para ser solta e que me aguardaria do lado de fora... estilhaçou-se o vidro. Reflexo fraco, vulnerável. Durante a noite fiz aquilo que deveria ser feito. Matei-a. Simples. Não estava em mim, não me lembro se a deixei sufocada, ou envenenada, ou esfaqueada, ou seja-lá-o-que-fosse. Tenho certeza que na minha estante, ao lado do meu 'amor-perfeito' congelado, tenho agora o meu 'amor-que-quebrou-meu-coração' congelado também.
E a história é essa. Quero pedir desculpas ao senhor meu advogado, mas eu não agi em legítima defesa para salvar a minha vida. Visto que isso já não tenho e não tinha. Agi em legítimo ataque. Considerem que o ataque é a melhor defesa e verão que agi para salvar e guarnecer meu pobre coração de boas e autênticas lembranças. Espero ser condenada pelo que mereço. Posso ser louca. Mas fiz o melhor. Pois enquanto houvesse em mim a capacidade de amar, haveria também a capacidade de matar. Obrigada.
Aline Fall.
com tanto orgulho
e tanta desgraça.
Um lugar que não descansa.
Inspira seu perigo
onde a morte dança.
E os vidros partidos
as balas perdidas
os gritos não-amigos
os fantasmas nas ruas.
Belas moças nuas
mostrando (sua) mágica
de ter a vida em frangalhos.
Paro sem aviso
com fone no ouvido,
músicas que lembram
um sorriso desconhecido
uma voz ainda surda
um mistério sem carapuça
alguns dias, breve...
E a cidade querida,
maravilhosa e bem vista
- fica esquecida
enfiada na mala,
continua seguindo
com seus gemidos
por mim não ouvidos -
não espera pela alegria
ânsia em sintonia
por algo aguardado.
Ela sentia o peso daquele anel pendurado no pescoço, enquanto andava pela rua. Não era fácil conviver com tudo que lhe diziam. As vezes pensava estar louca, as vezes exultava de expectativas. Não morava com a mãe, mas aquele anel, aquele primeiro anel que ganhara enquanto criança pesava como se ela estivesse lá, morando naquela casa e com o aquelas repreensões. Era por isso que evitava usar aquele cordão e se perguntava se era engraçado um simples pendurucalho ainda fazer o efeito daqueles dias.
Virou a esquerda, a esquerda, a direita e reto. Chegou aonde deveria, não onde queria ou gostaria. Sentou-se na recepção e aguardou. Não havia ninguém feliz, mas ela aparentava felicidade (enquanto por dentro se chamava de ridícula, idiota, hipócrita, insensível). Sentiu-se incomodada. Sabia que a sua falsa 'felicidade' irritava os outros. Colocou a mão no pescoço e praticamente arrancou o cordão e como o impulso virou-se para jogá-lo na bolsa. Mas parou, de repente, com aquele pequenino artefato na mão, apertou-o e percebeu-se mais segura. As lágrimas que havia acabado por quase derramar secaram e ela entendeu que junto com a sua mão havia uma outra, invisível a apoiá-la e confortá-la.
Sabia que não era a melhor pessoa do mundo e sabia que a culpa era sua. Já havia, há muito, cansado de culpar sua criação, suas dores, seus traumas. Talvez seu único problema fosse a cabeça fraca, a genética nada tinha a ver com isso. Pensou que agora nada mais havia de ser feito, estava no fundo, bem no fundo e só procurava uma maneira mais rápida e eficaz de se enterrar viva. Tudo psicológico, não havia problemas financeiros ou amorosos. Apenas conflitos internos, fraca também de coração.
Olhou para cada um no recinto, sentiu seus sofrimentos. Suas perdas estavam estampadas em cada movimento, em todos os rostos. Era como uma placa brilhante que dizia: 'olhe para mim, eu estou em pedaços e quero a sua compaixão'. Ao pensar assim ergueu a visão para a tv e afastou seus sinais de repulsa, por cada uma daquelas pessoas que imploravam a atenção. Conferiu o relógio e aquele ato tão racional, tão calculado e ao mesmo tempo tão involuntário fez-a voltar a si completamente. Voltou a pensar coisas fúteis, sobre o seu tempo perdido naquela sala de espera e sobre o que a esperava lá fora ou seja, nada.
Chamaram-na, finalmente, para entrar. Levantou, sorriu em agradecimento, atravessou o corredor frio e agradeceu ao senhor que lhe abriu a porta. Se sentiu em uma câmara frigorífica e se agradeceu por ter lembrado de levar um casaco. Quanto a essa parte, não há muito o que falar. Ela reconheceu a mãe. Foi rápido e fácil. Ofereceram um tempo para ''se despedir'', o qual recusou, repensou e aceitou. Sozinha com o corpo percebeu que ainda apertava forte o anel e só ali percebeu o quanto ela lhe fazia falta. Colocou o presente de infância na mão inerte e o deixou lá. Não se importava que o roubassem nos preparativos para o enterro, ela necessitava sentir falta da mãe e aquela lembrança cheia de presença tinha que sumir. Limpou as lágrimas, recompôs-se, saiu de cabeça erguida, assinou alguns papeis abriu a porta e se retirou para a rua cheia de cenas falsas.
Havia se decidido. Não havia ninguém a esperá-la. Por que não fazer as unhas e sair a procura de alguém ao léu hoje a noite? Afinal, ela precisava de uma recompensa por ter fingido ser uma filha tão boa quando nem mãe tinha desde os cinco anos.
A sintonia que queria em mim
encontrei em olhar você.
Ah, alegria que surgiu, enfim.
Não me importo de sorrir
mesmo que não seja assim
que seja mais um ir e vir.
Veja a expectativa não é alta
minha tolice apenas é o que me condena
por ser eu tão frágil astronauta
insana de viagem pela tormenta.
Para longe, com pensamento vão
agora me sinto toda viver.
Menina que segurava seu coração
Não sinta o menor medo de sofrer.
_____Eu tenho estado esperando por alguém que nem existe. Eu não movo meus olhos com medo de perder algum acontecimento. Eu evito fazer ruídos que me impeçam de ouvir os murmúrios do mundo. Evito olhas nos olhos porque não quero a verdade. A que me diz, com olhos de pena, que não existe alguém por quem esperar. A que sussurra que não vai acontecer nada se ficar parada. E a que GRITA para que eu exorcize os meu demônios. A que pede que eu grite junto.
_____Procuro um motivo para gritar, não acho. A apatia rotineira deixa tudo azul, monocromaticamente azul, tranquilo e sem graça (ah, se ainda fosse o azul do céu, com sua parte de branco, de rosa, de laranja-pêssego). O costume que me sempre recusei a ter, faz parte de minh'alma e qualquer movimento inesperado me deixa em pânico. A adrenalina já não tem me feito tão bem, depois fica sempre um gosto amargo. Quero meus tons de cinza de volta. Algo me diz que eles me foram roubados. Me foi levada a distinção entre o meu pensar, o pensar comum e o ideal. Mas sei que minhas cores apagadas estão latentes aqui. Como uma ferida esperando que a encostem para voltar a doer.
_____ Saindo desses devaneios, percebo agora quão medíocre me tornei. Portadora de mim mesma, me entreguei a um mundo que se encontra na rotina, na moral e nos bons costumes. Por isso, quero que entendas, não é por não te querer que te abandonei na calçada, com nossos cafés nas mãos. É por te querer demais que eu me tornei isso. E eu odeio o que você me fez querer ser. Eu odeio ter que corresponder a expectativas tão baixas, onde para ser feliz é preciso apenas de uma casa, um carro e uma pessoa (ou um cachorro). Mas ao te deixar, volto a ser o que era, mais vivida, quem sabe? Te agradeço por ter me feito voltar, mesmo que isso tenha mais de mim. Você é uma parte de mim, assim como todos e cada um que já passaram por aqui. Quero que me perdoe, não tenho motivos, apenas quero, talvez para tranquilizar minha consciência, talvez por me importar contigo.
_____Não sei bem como me despedir, então te desejo todo o amor que eu tenho e não pude te dar. Meu maior medo sempre foi o de me doar, quando o venci, eu me perdi. Entenda e viva, porque quebrar meu coração e te deixar foi a única maneira de me fazer voltar a viver.
_________________________ Com carinho todo carinho que me é permitido ter,
__________________________________________________Gabriela D.
p.s.: não creia que irei me matar. Sou demasiada orgulhosa para atentar contra o amor próprio que me faz te deixar. Só irei mudar de ares. Quero ser alguém melhor, para merecer algo tão bom quanto quem você é para mim. Não consigo aceitar que alguém me pertença sem que eu mereça.
p.p.s: eu ainda te amo, mas isso não muda a magoa que deves estar sentindo. E, talvez, por isso, nosso futuro não exista. Apenas o meu e o seu.
Sou o centro da rosa
sou escondida por pétalas
mas não perco a beleza
não há inveja dos miolos
eu não entro na roda para brincar
e não há bem ou mal me querer
que me destrua
as rosas não se apaixonam
as minhas sementes não são esmagadas
mas as pétalas, coitadas
morrem por amor (que nem delas são)
mortas as pétalas
não há mais minha beleza
escondida havia mistério
exposta vê-me pobreza
e já que amar mata
não amem, odeiem
mas não acabem com o encanto
das flores que por acaso te rodeiem.
Esta é minha última carta. Minha carta de despedida, minha carta para nunca mais. O que houve? O que há? Ele me deixou, fisicamente e psicologicamente. Ele morreu. Nós tínhamos um pacto. A nossa fuga do tédio e o nosso amor por escrever sempre nos manteriam unidos. Não precisávamos pedir nada um ao outro, nosso olhar era do mais puro entendimento. E ele me traiu, me abandonou, prometemos dar um fim nisso juntos e deram um fim na vida dele antes. Ele morreu, foi para outro lugar, melhor ou não, e me deixou aqui, tendo que conviver com as lembranças, com o clima frio que combina exatamente com o meu coração. Nosso pacto foi quebrado, mas não de propósito. E agora olhando para as ruas de Paris, e olhando para todo esse branco do céu, resolvo me juntar. Tenho vinho e veneno e será assim que me juntarei a ele. A qualquer momento isso pode fazer efeito, vejo você em outra vida, mãe.
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Paris – França, 15 de agosto de 2000, terça-feira.
Escrevo, novamente, para dizer que não, não me matei, ou melhor, não consegui, não cheguei a tomar o veneno. De alguma forma, por força do hábito servi dois cálices, botei veneno em um e por ‘sorte’ tomei o outro. Quando percebi, após ficar esperando pela morte, o meu erro, impulsionei-me para o copo restante. E então o telefone tocou. Atendi e ouvi apenas um ‘fique aí, eu já chego’. Não reconheci a voz, mas essa voz me impediu de continuar. Essa voz apagou o tédio e acendeu em mim uma vontade de ficar, de esperar e ver quem vai chegar. Agora, levemente alterada, aguardo ou pela minha salvação temporária ou pela minha sentença de morte, pois creio ficar maluca de decepção. Ah, mãe, o tempo aqui está frio como sempre, mas por instantes acho que aqueci meu coração.
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Paris – França, 17 de agosto de 2000, quinta-feira.
Ele apareceu, mas não havia ligado. Simplesmente resolveu ver como ou se me encontrava. Que engraçado, eu jurei ter ouvido o telefone tocar e a voz era exatamente a mesma, sem urgência, mas com a intensidade para impedir alguém fraco de fazer qualquer coisa.
Você não sabe quem ele é, nem ao menos eu sei quem é. Tocou a campainha e disse “sou eu”. Oras, se fosse um ladrão eu simplesmente tomaria a outra taça. Mas era ele. Eu o olhei e o mundo resolveu virar, eu já não sabia nem ao menos o meu nome. A face não era a mesma, nem as roupas e nem o perfume, mas nos olhos dele eu via aquele meu eu morto, aquele outro que morreu e me abandonou, viva, aqui. Não sei se é ilusão, quem nunca acreditou em anjos? E se mudou a aparência apenas para que eu não descontasse minha mágoa por ter sobrevivido sozinha?
Quem sabe, mãe, o que vai acontecer? E não, não quero que venhas me visitar. Eu sei, ou melhor, não sei o que estou fazendo. Mas, pelo meu bem, tenho que fazer.
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Paris – França, 31 de agosto de 2000, quinta-feira
Até hoje mantenho aquela taça envenenada na estante. É o que me dá forças para continuar, saber que há sempre uma fuga ali, bem na minha frente, ao alcance das minhas mãos. Recebi mais umas visitas, elas não ligam mais. Tudo muda: rosto, gosto, cheiro, toque... Mas nunca o olhar. Elas vêm, conversam comigo sobre as minhas vertigens, ilusões, adaptações, escritas, etc. Mas nunca tive coragem de perguntar nada. É como se eles fossem meros psicólogos ou como se pudessem fugir ao ouvirem algo que ameaçasse seus segredos. Ah, é, mãe, eles são cheios de segredos. Como me conhecem? Como chegaram aqui? Ou por que todos têm o mesmo olha de sofrimento como a me pedir desculpas?
Sempre sua filha, Amelie.
p.s.: as visitas tem ficado cada vez mais raras. Não me engano, sei que o fim se aproxima.
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Paris – França, 19 de setembro de 2000, terça-feira
Não quero mais, cansei. Mas eu preciso que voltem. Fazem duas semanas. Me sinto abandonada, de novo, o tempo aqui, em Paris, junto com meu desespero, aumenta; e por mais que eu olhe para o copo eu sempre lhes dou uma segunda chance. Eu fico esperando um outro telefonema. Fico olhando pela janela, mesmo sabendo que me visitando ou não eles nunca serão vistos pela janela. Acho que a ânsia por vê-los torna resistível a ideia do fim. Mas até quando? Tudo tem perdido a validade e eu tenho medo de explodir. Te mando notícias quando puder.
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Paris – França, 24 de setembro de 2000, domingo
Hoje é meu último dia. Veio aqui alguém sem desculpas nos olhos, sem tocar a campainha ou me esperar trocar de roupa. Me mandou parar com a ilusão, me chamou de louca, disse que eles não existem. E me disso que devo deixar a senhora morta e em paz. Esse sujeito, denominado meu pai, diz que vai me internar. Chegou em casa e tratou logo de jogar o veneno fora. Trancou a porta e desligou o telefone. Está passando um café enquanto espera a ambulância chegar. Ok, mãe, não importunarei mais a senhora com cartas alienadas, com suposto(s) fantasma(s) que me mantêm viva e com todo o meu egoísmo por ter sido trocada pela morte. Espero que sobre ao senhor que está na cozinha apenas a mágoa de não ter conseguido salvar sua filha. E agora é chegada a hora. Nada de veneno, infelizmente não sei voar, por isso, hoje, irei enfeitar as ruas de Paris.
De sua única filha, Amelie.
Um dia, eu quis ser vendedor de balões, e hoje sou. Não existe profissão mais bonita que esta. Sorrisos, felicidade, diversão, admiração e nunca vai sair de moda. Mas o que mais me fascinava eram, ainda são, os balões. E pensando bem, o que eu gostaria mesmo é de ser um balão.
Daqueles vermelhos, sabe? Com um formato bem bonito, que chame atenção. Mas, se me perguntarem: 'por que um balão?'. Ele é leve, tudo que quer é ser livre e subir, subir, até estourar quando for obrigado pela pressão atmosférica a isso. Ele está preso por apenas um fino fio que a qualquer momento pode se arrebentar ou seguro por uma criança tola que pode soltá-lo e ficar a observar, com lágrimas nos olhos, culpa e vontade de ter novamente.
O destino dos balões, senão estourar, é definhar, aumentar seu peso e afundar no chão até ser destruído por impiedosos em busca de diversão ou esvaziar lentamente devido a furos. Mas se eu fosse um balão seria daqueles que estouram no céu, que não retorna a terra, que tem um fim sozinho, porém bonito, discreto e digno de admiração aos que ousassem ver. Eu seria aquele balão que ninguém nunca acharia outro igual para repor quando fosse perdido.
Refletindo melhor, ouso dizer que sou um balão, sou esse balão. Existe uma mão me segurando através do fio da realidade que me prende, porém o horizonte da loucura, a perspectiva de conhecer algo novo, mesmo inconcebível, me atrai e eu faço força para cima, faço força para fugir. Tenho ânsia de conhecer o inusitado. Morrer com os pés no chão é algo impensável para um balão como eu.
Fragmento para posteridade – quando tentar descobrir, por acaso, quem sou.
E se, mais uma vez, tentar descobrir quem eu sou. Lembre-me, lembre-se, nem a morte e algum epitáfio colado na lápide dirá muito mais do que escrevo. Porque o que escrevo pode agradar a sua vista, mas não te ajudará a descobrir o que sou; talvez o que não sou, nunca fui e não pretendia ser. É, somente, mais uma maneira de encarar os fatos, de sentir que tudo está ao alcance das ideias. Das queridas ideias, do meu mundo ideal. Do meu mundo eidético.
Gabriela D.
Nunca, com canções, amolecida
Tantas feridas nessa armadura,
Há, acaso, lacuna arrependida?
Porque o que fazes é só teu papel
E na tua cabeça, vê-se um tropel
Realidade sempre relativa
Antes de qualquer decisão, viva!
Mas viva, se tu precisas viver
Morra se queres, por tudo, morrer
E não deixes a indecisão bater
Por amor ou até bem-querer
Choras, porque este choro acalenta
Sofres, porque bem sei que tu aguentas
Pedes, tentas, se não há outro meio
Vence, acima de tudo, teu receio.
Segui, clichês, sentei ao lado dele, clichê, pedi um Martini (rosé, por favor), clichê, ele sorriu e falou que era por conta dele, clichê. Eu agradeci. Conversamos e, talvez por medo de escutar o nome de uma profissão indesejada, nem nos perguntamos no que trabalhávamos. Ele passou horas falando sobre a beleza dos meus olhos, ou do copo de cristal, deveras não há diferença. Senti uma breve idéia se formar, e todos os meus sentidos me incitavam a isso. Pedi licença, fui ao banheiro. Retoquei a maquiagem, voltei. Fomos embora, chamei-o para subir e ele subiu. Claro, sem compromisso, como quem quer conhecer a casa onde vai morar se tudo der certo. E sem compromisso nos amamos e a cada hora eu estava mais envolvida.
Breve história de amor, quando percebi que o fim estava próximo, mas não o meu fim, o fim daquela fantasia de bar, que começou 6horas atrás, resolvi terminar do meu jeito. Disse a ele que tudo havia sido lindo e que só tinha um jeito de continuar lindo, ao menos na minha cabeça. Dito isto, peguei uma faca e cravei-a no peito, no pescoço, na cabeça. Matei-o. Não, não me arrependo. Amo-o hoje, morto, quando sei que não pode me decepcionar. E quando calei todas as vozes que me diziam para amá-lo. Calei essas vozes porque agora realmente o amo. Morto e cristalizado junto com todos os momentos bonitos.
Aline Fall.
Mas sou tão carnal e racional que não preciso sabê-la. Tenho no corpo o fogo, e um buraco na alma. Não sou poliglóta, não sei dançar. Não canto e nem sei amar. Não sou inteligente e nem gosto de estudar. Eu sei encantar, seduzir e dilacerar.
Sou Aline, de linhagem nobre, graciosa e elegante. Fall, caída, por natureza. Tenho o futuro que eu quiser. Resta a mim, saber o que quero.
Temo dizer que eu existo. Na ebriedade da sobriedade. No sonambular e no se embebedar. Sou eu que apareço. Sou eu que não me deixo esquecer. Sou Aline Fall, personalidade forte, estou sempre na beira, estou sem eira.
A. Fall
Acaso a vida já não encontra-se
perdida, destruída, despedaçada, repartida
a ponto de ninguém me entender mal?
Acaso seu olhos se escurecem
sem nenhuma prece
ou mais nenhuma reação
sem aquele gosto que fere
talvez não haja perdão
nem a dor que confere.
E, acaso, acaso repito
já foi, acaso, transcrito
e está inrustido e revestido
como desculpa de menino
que acha que faz sentido?
E, se, acaso, escrever
sempre que sofrer
ai de mim, infindáveis
serão as folhas
Procurarei ali minha redenção.
Escrever de secas lágrimas
de quentes sorrisos
de frias mãos e
ardentes línguas
Escrever como poeta,
com o que vier a mão.
E sem a tosse cessar
mal do século, mulher, bebida
morrer como digno poeta
morrer para completar a vida.
Sempre fui fã de romances porque a minha realidade não era nada legal. Cada vez que lia Cinderela ou Rapunzel sentia-me dentro do conto, protagonista que era aos cinco anos. Um pouco mais velha, com o olhar crítico infantil de uma criança precoce, percebi como eram fracas as donzelas. E decidi transferir toda a força de vontade dos príncipes encantados para a minha vida.
Com 12 anos, juntei aos clássicos infantis o cinismo e ironia presente nos seriados americanos e ingleses e assim percebi estar alarmantemente sozinha. Isolei-me na escrita. Quanto mais passava o tempo, maior era o meu incômodo. Nunca soube fazer finais felizes e me divertia estragando a premiação do herói com a morte da mocinha, por exemplo.
Aos 18, senti tremenda vontade de fazer um conto de fadas. Noites sem dormir, litros de café e... nada. Desisti e voltei frustrada aos singelos poemas, mal-escritos, capazes de agradar a qualquer um.
Anos mais tarde tentei novamente, mas tudo a minha volta fazia incrível questão de me desacreditar. Crises, mortes, guerras, mortes, doenças, mortes, mortes e mortes. Senti-me Drummond, com apenas duas mãos e o sentimento do mundo. Prometi que voltaria, mais tarde, a isso.
Depois, casada e grávida do primeiro filho, me inspirei, mas tornei a fugir. Ora, quem leria um conto de fada de uma mulher que nem havia dado a luz? Seria tão inexperiente, desculpei-me com a minha sombra.
A partir dos 30-e-tantos fazia uma tentativa por ano, aproximadamente e nada. Agora, na surrealidade do pós-vida, talvez até conseguisse se quisesse, mas.. feliz (para uns) ou infelizmente (para outros) estou morta e mortos assombram, não escrevem!
Onde as almas livres se perdem
Lá, é onde, no fim, todos chegam
Perscrutando muros de ódio
e ratificando a tristeza
retificando os seus valores
versátil aquela estranheza
Revivendo seus piores medos
ao bel-prazer de tê-lo olhado
Aquele por quem viver ou morrer
Neste labirinto do coração
nesta crueldade sentimental
talvez encontre o que preciso
sem precisar usar a maldade.
envolta em rasantes do sentir
presa por querer ir e vir
e por isso não poder fazer
espera sempre, ilusivamente
adiando aquele segundo
com que sentimento profundo
choro, compulsivamente
lágrima - Seca e dura
derramada sem ternura
em momento de solidão
incoerente ao toque
falso, espere e olhe
de alguém sem coração